sábado, 24 de junho de 2017



24 de junho de 2017 | N° 18880 
MÁRIO CORSO

ACEITE-ME COMO SOU


Quem realmente me ama vai me aceitar como sou. Você já escutou essa frase de várias maneiras. O importante é o espírito do enunciado, comum a todas as suas versões: quem a diz espera encontrar um parceiro que receba a maravilha que essa pessoa já seria. Portanto, alguém que assim se julga não precisaria adequar-se, repensar-se, já estaria pronto para ser admirado e amado.

Para os que se aventurarem a amá-lo, só resta aceitar o kit completo, sem pedir mudança, sem reclamar. Se contestar, vai ouvir: quando me conheceste eu já era assim!

Aqui vai um conselho: se der, fuja dessas pessoas. Hoje mesmo, se possível. Alegue legítima defesa, até porque é, e vá embora. Digo como quem acolhe os amantes machucados, como quem já juntou do chão com colher caquinhos de egos partidos. Já troquei inúmeras ataduras dos feridos por esse caminhão sem freio de narcisismo. Todo cuidado é pouco, são sujeitos tão satisfeitos consigo mesmos, que soam persuasivos quando vendem-se com rótulo de autenticidade, espontaneidade e franqueza.

Não fosse a paixão humana pela devoção, estariam fadados à solidão. Ignoram que a vida é feita de poucas leis incontestáveis e uma delas é que amar é mudar. Ao deparar com alguém incapaz de entender isso, é provável que não haja projeto em comum. 

Ou você cede tudo, ou nada acontece. Sequer receberá o bônus do reconhecimento por ter recuado, afinal, o caminho deles é a única direção “certa”. Nunca descobrirão que o amor tem duas mãos, é encontro, resultado de duas almas que fazem uma terceira coisa. O melhor do amor é ficar diferente, é deixar-se alterar por uma natureza distinta, é conhecer outros jeitos de ver a vida, com alguém que nos guia pela mão.

Um dos mais enganosos conceitos de psicologia é o de narcisismo: a primeira ideia que nos vem é de alguém que se enfeita, que quer chamar a atenção. Não necessariamente: aquele que se arruma para convocar a visão do outro sabe que não é perfeito e precisa de retoques. O verdadeiro narcisista acredita que sua natureza já é irretocável, passa por simples e despojado, mas é convencido.

Essas pessoas não amam ninguém. Pensam que sim, mas apenas apreciam a devoção recebida. Para essa adoração, terão mil olhos atentos. Porém, frente a qualquer deslize nesse amor dedicado, se sentirem alguma perturbação na força de seu reinado, ativa-se neles um tigre interior, uma ira que não desejo a meus inimigos. O afastamento do parceiro derruba o altar sagrado sobre o qual repousam e em seu lugar nascem chamas dignas das labaredas do inferno.

Por isso, se não quiserem seguir meu conselho, sem problema, nós, psis, precisamos trabalhar. Vai fundo, depois a gente cola tudo outra vez.

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