quarta-feira, 21 de junho de 2017



21 de junho de 2017 | N° 18877 
DAVID COIMBRA

Comidas fortes

Alguns americanos gostam de pendurar uma plaquinha de madeira nas paredes das suas casas. Nela está escrito: “I love you more than bacon”. Eu amo você mais do que amo o bacon.

Uma emocionante declaração de afeto à mulher amada. Porque os americanos realmente adoram o bacon. E, vou dizer, admiro tamanha devoção às comidas fortes. Houve um tempo em que se comia torresmo, no Brasil. Hoje, não se encontra torresmo em lugar algum. O torresmo foi banido. O torresmo é um pária.

As pessoas estão preocupadas lá com as suas artérias. Tudo certo, também gosto das minhas artérias, mas será que o torresmo é de fato inimigo delas? Semana passada, inclusive, os cientistas descobriram que o óleo de coco faz mal para alguma coisa. Até então, o óleo de coco era o queridinho do pessoal que anda preocupado com suas artérias. Bela Gil e tudo mais. Mas o óleo de coco não é tão inocente, como se vê, o óleo de coco não é o santinho que parece. E o torresmo é que vinha levando a culpa.

Ah, o Brasil! Tudo é assim, no Brasil! Não há meio-termo. Não há ponderação. Não se fazem concessões. Ou você é óleo de coco ou é torresmo.

Houve tempo em que éramos mais tolerantes. Tome, por exemplo, o caso do brigadeiro, também conhecido como “negrinho”, embora esse nome possa ser politicamente incorreto.

Ocorre que vi no Globo Repórter uma matéria sobre a origem do brigadeiro. Essa guloseima foi criada em 1946 por uma senhora de boa família carioca, que apoiava a candidatura à Presidência da República do brigadeiro Eduardo Gomes. Ela preparava amorosamente os docinhos com chocolate da melhor qualidade, leite condensado Moça e manteiga sem sal, a fim de vendê-los às amigas e conhecidas, arrecadando, assim, recursos para a campanha do seu candidato. O slogan de Gomes era sugestivo: “Vote no Brigadeiro, que é bonito e solteiro”. Apesar desses predicados e do sucesso do docinho, o Brigadeiro perdeu para o candidato getulista, o marechal Eurico Gaspar Dutra.

Uma lástima.

Dutra, aliás, passou à História como homem de poucas luzes. Durante seu mandato, o presidente dos Estados Unidos, Harry Truman, fez uma visita ao Brasil. Como Dutra não sabia dizer um único the book is on the table em inglês, o cerimonial o orientou a apenas cumprimentar o americano, repetir rapidamente o que ele dizia e se perfilar para a foto oficial. Truman chegou e estendeu a mão:

– How do you do, Dutra?

Ao que o brasileiro replicou:

– How tru you tru, Truman?

A anedota é boa, mas não é disso que falava. Falava do brigadeiro, o doce, e o Brigadeiro, o candidato. Note que o Brigadeiro homem perdeu, mas o brigadeiro doce ganhou. Ou seja: a radicalização dos anos 1940 terminou com a consagração do derrotado. Para você ver como a História pode ser irônica.

Daqui a 70 anos, o que restará de toda essa confusão brasileira, gente brigando nos aeroportos, rompendo com parentes e se insultando mutuamente no WhatsApp por causa de notórios cafajestes?

A resposta é: nada.

Nada ficará disso, porque o que importa na vida são os dias vividos, são os pequenos gestos, nunca as grandes causas. Um brigadeiro é mais importante do que o Brigadeiro. A piada sobre o marechal é mais importante do que o marechal. Um chope em paz com o amigo é mais importante do que a opinião que ele tem sobre a situação nacional. E o torresmo talvez seja amiguinho das nossas artérias, afinal. Por isso, não deixe o torresmo morrer. Salve o torresmo!

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