sábado, 5 de dezembro de 2015


RUTH DE AQUINO
04/12/2015 - 20h24 - Atualizado 04/12/2015 20h25

Apressem a análise do impeachment!


Com Dilma sendo ou não afastada, o país ganhará um norte. Não podemos esperar que a economia piore mais

Não importa que a dama e o valete mintam. Quem ainda não sabe que ambos mentem? Até os marcianos sabem. Importa que Dilma e Cunha sejam julgados por seus malfeitos, às claras, cartas na mesa, votos abertos e transparentes. Um por corrupção ativa e passiva, outra por incompetência e irresponsabilidade fiscal. Um pela Comissão de Ética, outra pelo Congresso. Mas que seja logo. Nada de “tô me guardando pra quando o Carnaval chegar”. O país não merece um recesso no meio da depressão e do descaso com os mais carentes.

O PT tomou na semana passada a primeira decisão decente em muito tempo. Não cedeu à chantagem do abominável presidente da Câmara, Eduardo Cunha – nem às pressões do Palácio do Planalto. Sob orientação do presidente do partido, Rui Falcão, os três deputados petistas da Comissão de Ética decidiram não vender sua consciência em troca da não abertura de um processo de impeachment contra Dilma. Optaram por apoiar o processo de cassação de Cunha. “Quebra de decoro” é eufemismo barato. Muito mais que isso condena Cunha a ser cassado.

Concordo também com o Planalto: nada de recesso parlamentar. Ao trabalho, deputados e senadores, arregacem as mangas, não escondam nada nelas! Foi aberto um processo de impeachment, é um momento grave e histórico, e ele não pode ficar suspenso, à espera de uma piora no quadro maligno na economia que leve à metástase. À espera de mais inflação, mais rombos, mais demissões em massa, mais greves, mais fechamento de escolas, empresas e fábricas, mais hospitais falidos, mais suspensão de pagamento aos servidores, mais interrupção de obras e programas sociais, mais tombos do PIB, mais instabilidade, mais incertezas e mais composições por baixo da toalha. E enquanto isso se conspira e se estouram os champanhes?

O texto do impeachment – aliás, que se deixe claro e se repita a cada vez que for mencionado – não veio da cabeça de Cunha. Foi escrito e assinado por um dos fundadores do PT, o jurista Hélio Bicudo, de 93 anos, e pelos também juristas Miguel Reale Jr. e Janaína Conceição Paschoal. Bicudo foi ridicularizado por seu filho e por quadros do PT, com insinuações de que estaria senil e gagá. Mas não se intimidou. Mandou Dilma “ler a Constituição, porque lá está escrito que o impeachment é um remédio constitucional (...), um processo democrático em curso”. Afirmou ainda: “Acho que a saída da Dilma não vai gerar trauma algum. As pessoas vão respirar fundo, dizendo: ‘Puxa, saiu’”.

Também não é assim. É um trauma, sempre, um presidente sofrer um processo de impeachment. Mas, se Dilma vencer e conseguir apoio de um terço dos deputados – convenhamos, é o mínimo que um presidente precisa ter para não paralisar o governo –, sairá fortalecida. E governará os próximos três anos (três anos!) sem o fantasma das algemas legislativas a lhe atar mãos e pernas. A “esfinge” – o vice-presidente Michel Temer – terá de apoiá-la de verdade, em vez de se ocultar em silêncios tonitroantes. Dilma dorme com o inimigo há muito tempo e sabe disso. O PMDB não está com ela. O PMDB sempre esteve ao lado do Poder, não de governos que fazem água onde há temporais.

Nas análises sobre o mérito ou não do atual processo, frequentemente se esquece o papel do sujeito mais citado por Dilma. O povo. O voto do povo deve ser respeitado. Esse mesmo povo que sempre apoiou Lula e Dilma acha o atual governo “ruim ou péssimo” (67% segundo o Datafolha). Esse mesmo povo acha que o Congresso deveria abrir um processo para afastar Dilma (65%). E esse mesmo povo acha que Dilma não será afastada (56%). Sendo ou não afastada, o Brasil ganhará um norte. E um sul, um leste e um oeste. Discordo de quem diz que o Brasil está sendo “jogado no abismo”. O Brasil já caiu no abismo.

É por causa desse cenário de recessão que o processo de impeachment acabou aceito – e não somente pela vingança de um personagem cínico e zombeteiro. O povo não pode tirar Dilma do Palácio. O povo não pode tirar Cunha da Câmara. É preciso respeitar as instituições. Mas, aparentemente, o povo quer “Fora, Dilma” e “Fora, Cunha”. Mesmo sem a mobilização nas ruas, a vontade popular tem influenciado os rumos da política – e vimos isso no comportamento do Senado ao votar sobre a prisão do senador Delcídio do Amaral.

O adjetivo mais em moda no país agora é “perplexo”. Todo mundo está perplexo. Dilma, perplexa com “a prisão de Delcídio”. Lula, perplexo com “a insanidade de Cunha”. E nós, perplexos com governo e oposição, com a crise e a corrupção. Passemos da perplexidade à ação. Sem fazer julgamentos, quero juntar minha voz à de Dilma. Apressem a análise do processo, nada de recesso. Até rimou.

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