sábado, 3 de outubro de 2015



04 de outubro de 2015 | N° 18314 
CARPINEJAR

Banho sempre juntos


Um casal de amigos toma banho juntos todo dia. Não é exagero: todo santo ou maldito dia. Ambos não abdicam do hábito. Não se unem para sexo ou transas aquáticas, não se abraçam para sedução ou selvagerias líquidas.

Nenhuma pornografia como é possível imaginar. Pois casa não é motel, é refúgio do tumulto do mundo. Os espelhos não estão no teto, mas nos próprios olhos. É banho para a ternura, para a transparência.

É banho para conversar e se atualizar, lavar o silêncio, acalmar a ansiedade. É banho para chorar quando necessário, brincar de espuma, rir dos perigos e organizar os desmandos do trabalho.

É banho de amizade, de cumplicidade auditiva, de intimidade da pele, para saber como foram a manhã e a tarde de cada um e preparar a barca dos sonhos. É banho em que os joelhos e os cotovelos são lembrados, em que as axilas e as costas são esfregadas.

É banho de açúcar, melhor do que o sal grosso para espantar o mau olhado. Dividem o xampu e a esperança. Enquanto um se ensaboa, o outro se enxagua. O revezamento é perfeito como uma dança, como uma coreografia.

Estão nus, sem reservas, sem receios, sem caretas e poses, sem mentiras e distorções, com a humildade de se colocar à disposição. Como Adão e Eva antes da maçã. Antes da amargura.

Adultos que escolheram a água como o refúgio infantil, puro, um confessionário onde nenhum filho abrirá a porta com novas urgências. O box é uma piscina vertical, o box é uma hidromassagem de pé.

O box é uma varanda fechada, uma Veneza em miniatura. O box é uma chuva particular, em que vão chapinhando nas poças e as vozes buscam alguma música brega para distrair as dificuldades.

E se um já tomou banho antes repetirá a operação para não perder a parceria. Mesmo que isso signifique tirar o pijama e deixar o calor da cama. Não passam um dia sem tomar banho lado a lado. Descobriram que a lealdade é abrir um espaço fixo para a palavra.

Os casais devem tirar um momento de sua rotina para estarem absolutamente entregues. Um momento apenas de atenção integral, para renovar o ímã da felicidade.

Pode ser o café da manhã, o almoço, uma horinha de chimarrão no entardecer, uma caminhada pela praça, a leitura de jornais, o colo de uma novela. É dividindo a solidão que os dois serão um só pela vida inteira.

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