09 de junho de 2013 | N°
17457
MARTHA MEDEIROS
O telefone no corredor
Dos seis aos 11 anos, morei num apartamento onde
havia um único telefone, localizado em um nicho da parede do corredor. Ele era
preto, e o nicho era alto, eu não conseguia discar sozinha sem a ajuda de um
adulto, mas isso não chegava a ser um grande problema porque naquela idade eu
não fazia nem recebia tantas ligações assim pra falar a verdade, quase nenhuma.
Até aqui, nesse primeiro
parágrafo, já devo ter deixado alguns adolescentes perplexos. Um único telefone
na casa? Para uso coletivo? Preso a uma parede? E você não recebia muitas
ligações? Coitada, deve ter sido megatraumático!
Depois dos 11 anos, mudei para
outro apartamento com a família. Também só havia um telefone, no corredor,
preso à parede por um fio, porém ao menos este ficava em cima de uma mesinha
baixa. O problema é que vivi nesse apartamento até os 24 anos, ou seja, uma
época em que eu recebia um número significativo de ligações das amigas, de
namorados, de colegas de trabalho. Tudo era discutido no corredor, para quem
quisesse ouvir. Uma lavanderia.
É bem verdade que, por volta dos
20, meus pais trouxeram do Exterior um aparelho de telefone sem fio, o que já
facilitou bastante a vida de todos, era o primeiro passo rumo à privacidade,
mas só funcionava dentro de casa – na rua, não pegava. Antes disso, repito: era
um único telefone para a família toda. Sem subterfúgios: não havia torpedos, e-mails,
nenhum outro jeito de se comunicar com o mundo que não fosse pelo telefone,
aquele, o do corredor.
Bom, ninguém impedia que cartas
fossem escritas. O correio era bem ágil naquela época.
Na prática, funcionava desse
modo: trimmmmm. Alguém atendia. E depois se ouvia um grito: “Martha, é pra ti,
um tal de Breno”!
“Um tal de” revelava que quem
tinha atendido estava fingindo não dar importância ao fato de que, sendo um
homem do outro lado da linha, havia esperança: talvez eu desencalhasse. O grito
no corredor entregava que eu estava em casa, só que eu não queria falar com o
tal Breno, ao menos não na frente do pai, da mãe, do irmão e da empregada.
“Alô”. Enquanto eu dizia alô,
todos evaporavam ao redor, muito educados. Seria perfeito se vivêssemos num castelo
com 23 quartos e oito salas, o que não era o caso. “Não, não posso ir ao cinema
no sábado, é aniversário da minha avó”.
“Martha, tua avó só faz
aniversário em dezembro!!” Essa era minha mãe, que jurava de pés juntos que não
escutava nada, nadinha.
“Não, Breno, na outra semana
também não vai dar, tenho prova todos os dias no colégio”.
“Vai ficar pra tia, depois não
diz que não avisei!” Essa era a empregada.
Nem sempre dava tempo de tapar o
bocal do telefone com a mão, para a criatura do outro lado não ouvir os
comentários da torcida.
“Se não vai sair com esse pateta,
desliga de uma vez que estou esperando o Ayrton ligar para confirmar o jogo”.
Esse era meu irmão saindo do banheiro.
“Não, Breno, imagina. Pateta é o
nome do cachorro aqui de casa”.
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