sábado, 13 de abril de 2013



WALCYR CARRASCO
12/04/2013 22h07

Crueldade com cães

Fiquei comovido com a história do cachorro abandonado pelo dono na estrada BR-101, no Espírito Santo, que apareceu na internet. Deixado no acostamento, mas ainda fiel, o cão correu quilômetros atrás da caminhonete. A dentista Rafaela, que passava pelo local, registrou as imagens. Chegou a falar com o responsável. Ele se recusou a resgatar o animal. Rafaela salvou o cachorro. Deu-lhe o nome de Leleco e levou-o a um veterinário. Em seguida, hospedou-o num hotel canino, onde Leleco deverá permanecer até encontrar novo dono.

O que me assusta nesse episódio é a frieza do proprietário. Já adulto, o animal certamente viveu anos com esse homem e também, provavelmente, com a mulher que o acompanhava na caminhonete. O dono era sua referência de amor e proteção. Foi deixado à beira da rodovia, como se não houvesse nenhum laço entre proprietário e cão. Qual o objetivo de deixar um cachorro na estrada? É para ser atropelado ou morrer de fome?

O abandono de animais é frequente. Mesmo dos que têm pedigree. O casal compra o filhote e passa meses, até anos, encantado com o bichinho. Se tem filhos, vira mascote das crianças. Aí resolve fazer uma viagem longa. Ou mudar-se de uma casa para um apartamento. Leva o animal para um lugar distante, e adeus! O problema não é só brasileiro. Em países como França, Portugal e Espanha, é comum que cães comprados para fazer companhia no inverno sejam abandonados quando os donos saem para as férias de verão.

Na Itália, já houve até uma campanha contra isso. Na Inglaterra, uma organização chamada Dogs Trust pediu publicamente que animais de estimação não sejam oferecidos como presentes de Natal. Na festa, são recebidos com alegria. Mas a foto de dois cachorrinhos abandonados na neve após as comemorações ilustrou o que realmente acontece. Já tive uma faxineira que adorava seu vira-lata. Sempre me contava as gracinhas do animal. Um dia, chegou em casa com expressão tristíssima:

– Fui para bem longe de casa e abandonei o bichinho. – Por que fez isso? Você gostava dele! – perguntei. – Ah, mas ele latia muito.

Alguns dias depois, arrependeu-se. Foi procurar, não o encontrou mais. Tenho quatro cachorros. Luna, uma fêmea de husky branca, ganhei de presente. Kauê, um shih-tzu, foi dado por um amigo que não podia mais cuidar dele. A vira-lata Morgana apareceu na porta da casa de uma amiga, dentro de uma caixa, com dois irmãozinhos. Outra vira-lata, Ísis, foi resgatada na praia, magérrima, por um amigo. Na ocasião, a veterinária disse:

– Mais uma que está salva!

Deixar filhotinhos é comum. Os donos param os carros de noite. Descem sorrateiros. Botam a caixa num terreno baldio ou na frente de uma casa qualquer. Fogem, como se estivessem praticando um crime. De acordo com um projeto de lei brasileiro, estão mesmo. No futuro, casos assim poderão ser punidos com cadeia.
Qual o objetivo de abandonar um cachorro na estrada? É para ser atropelado ou morrer de fome?

Numa modalidade de abandono mais sofisticada, a pessoa interna o bicho numa clínica veterinária. Fornece nome e telefone falsos. O animal espera por seu dono com ansiedade. Os dias passam, e ele não aparece mais. Veterinários, por definição, amam animais. Costumam arcar com o prejuízo, até encontrar um novo lar para o coitado. Nem sempre conseguem. Quando o animal está velho ou doente, ninguém quer. Não é à toa que algumas clínicas exigem identidade, CPF e até comprovante de endereço quando surge um novo cliente.

A internet tem ajudado muito. É enorme o número de pessoas que põem fotos de animaizinhos à procura de um lar. Minha amiga Lavínia, paulista, é uma delas. Já parou o carro na estrada muitas vezes para pegar um cachorro. Leva ao veterinário, que faz preço especial nesses casos.

Depois, põe o cão de banho tomado e pelo escovado no Facebook. Faz pouco tempo, meu coração até bateu mais forte por causa de uma peludinha. Fiquei indeciso, por já ter quatro cães. Nesse intervalo, uma mulher apaixonou-se por ela. Lavínia mostrou a beldade com a nova dona na internet. Clima de felicidade total. Outra amiga, Vera, mulher do ator Fúlvio Stefanini, faz o mesmo. Passa a vida resgatando cães e encontrando novos donos.

Apesar de tanta gente apaixonada por animais, o problema permanece. O bicho deixado para trás passa fome e privações de todo tipo. Torna-se vítima de maus-tratos. Abandonar um animal é um ato de crueldade. Evidencia a falta de sentimentos de uma pessoa. Quem abandona é que não merece o amor de um cachorro.

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