09 de janeiro de 2013 |
N° 17307
MARTHA MEDEIROS
Ideia de jerico
Semanas atrás, Zero Hora publicou
uma matéria sobre um recém-lançado dicionário de palavras mortas, a exemplo de
“boco-moco” e “sirigaita”. Em 1997, escrevi uma crônica intitulada Grande
África que tratava desse mesmo assunto divertido.
Adoro vocabulário vintage, e eu
incluiria a expressão “ideia de jerico” entre as que sobreviveram, mesmo
cheirando a naftalina. Pelo menos foi ela que me veio à cabeça quando soube que
tem alguém tentando promover um projeto de lei popular que decretaria
visibilidade zero para cigarros e bebidas, em qualquer mídia, em qualquer lugar
– restrição absoluta, tanto visual quanto auditiva. Seria como se bebida e
cigarro tivessem deixado de existir.
Ideia de jerico.
Se for uma proposta xiita como
parece, revistas de viagens teriam que ter algumas fotos vetadas: não poderiam,
por exemplo, mostrar imagens da La Bodeguita del Medio, em Havana, com suas
garrafas de rum nas prateleiras. Aliás, os livros de Hemingway, Bukowski e
outros beberrões teriam que deixar de ser reeditados ou sofrer censura, pois poderiam
ser cúmplices da tal “visibilidade” – a simples menção de uma palavra como
uísque poderia estimular o vício do leitor.
Quadros representando a Santa
Ceia teriam que ser retirados das igrejas e dos sacrossantos lares, pois é
sabido que Jesus não tomava Coca-Cola. Aliás, a missa também teria que se
adaptar ao projeto de lei. Repartir o pão, tudo bem, mas vinho, sem chance.
Na hipótese de recebermos uma
mostra de quadros impressionistas, o Absinto, de Degas, ficaria proibido de ser
exposto. A imagem de Rita Hayworth como Gilda só circularia no mercado negro. O
filme Sobre Café e Cigarros, de Jim Jarmusch, e Obrigada por Fumar, de Jason
Reitman, seriam retirados das locadoras. A série Mad Man sofreria sanções
inimagináveis.
Capas de livros. Camisetas.
Cartazes de filmes. Fotos de moda. Textos de teatro. Biografias. Tudo o que
fizesse menção ao tabagismo ou ao álcool, fogueira neles. Inquisição, o
Retorno.
Sem falar na música popular
brasileira. Cálice, de Chico Buarque, Chuva, Suor e Cerveja, de Caetano Veloso,
e Brasil, de Cazuza, nunca mais tocariam nas rádios, assim como uma série de
canções de Nana Caymmi, Zeca Baleiro, Luiz Gonzaga, Maria Bethânia, Ney
Matogrosso – até Roberto Carlos já falou em cigarro em uma de suas letras,
acredite. E todas as duplas sertanejas seriam banidas da face da terra. O que,
pensando bem... deixa pra lá.
O politicamente correto tem um pé
na boa intenção e outro pé na repressão à liberdade. Costumo ser defensora
acirrada da ética, mas não contem comigo para dar trela aos excessivamente
bonzinhos, que pretendem higienizar o universo com medidas estapafúrdias que,
espero, nunca serão levadas a sério. Se começarem a restringir a arte e a livre
expressão, zzzzzzzzz, o tédio dominará o mundo e colocará todos para dormir
mais cedo.
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