sábado, 24 de março de 2012



24 de março de 2012 | N° 17018
NILSON SOUZA


Como nossas mães

Elis vive e volta a cantar em Porto Alegre hoje, reencarnada em sua filha. Maria Rita é Maria Rita, tem ideias próprias, voz própria, talento próprio. Mas é também Elis, porque, querendo ou não, somos como nossos pais.

Nem é preciso fechar os olhos para ouvir Elis na voz de Maria Rita, pois seus trejeitos, seu sorriso de arcada superior, seu olhar amendoado e levemente estrábico, seu temperamento forte, tudo lembra a mãe, que ela fez questão de não imitar ao longo da ainda breve e bem-sucedida carreira.

Trinta anos depois da morte da maior cantora que este país já conheceu, Maria Rita supera a barreira emocional e faz a mais bela homenagem que uma filha poderia fazer à mãe: assume a sua identidade. Inspirado nas letras das músicas cantadas por Elis, que marcaram a minha juventude e a de tantas gerações de brasileiros, associo-me à homenagem nesta despretensiosa mistura de versos celebrizados pela Pimentinha do IAPI.

Canta, Maria Rita, que a vida passa. Mais do que nunca, é preciso cantar o que é nosso. Como você bem sabe, qualquer canto é menor do que a vida de qualquer pessoa. Essa menina, essa mulher, essa senhora, em que esbarras toda hora no espelho casual, é feita de sombra e tanta luz, de tanta lama e tanta cruz, que acha tudo natural.

Maria, Maria, cantar é um dom, uma certa magia. É preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre. Quem traz no corpo a marca mistura a dor e a alegria. Sabemos que carregas, feito tatuagem, corações de mãe, arpões, sereias e serpentes, que te rabiscam o corpo, mas não sentes. Forte és, mas não tem jeito. Hoje terás que chorar.

Chora, Maria Rita. No solo do Brasil, choram Marias e Clarisses. O mar é uma gota, comparado ao pranto das mães e filhas. Tristeza não tem fim. Felicidade, sim. Nosso mais-que-perfeito está desfeito. A vida é como uma escola e a morte é o vestibular. Na parede da memória, essa lembrança é o quadro que dói mais.

Mas uma dor assim pungente não há de ser inutilmente. Quem traz na pele essa marca possui a estranha mania de ter fé na vida. E a esperança equilibrista sabe que o show de todo artista tem que continuar. Vou voltar, sei que ainda vou voltar, para o meu lugar.

Obrigado, Maria Rita, por cantar neste porto dos casais. Você que é feita de azul, você que é bonita demais, se você tiver que apagar a luz, se você tiver que calar a voz, se você quiser encontrar a paz, tenha somente a certeza dos amigos do peito e nada mais.

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