sábado, 24 de março de 2012



24 de março de 2012 | N° 17018
CLÁUDIA LAITANO


Dois rapazes e suas circunstâncias

Thor – Eis um desafio que a maioria de nós nunca vai ter que enfrentar: educar um menino que nasceu bilionário para tornar-se um adulto responsável e decente. Como se cria um bilionário? Como ajudamos alguém que sabe que não vai precisar trabalhar para viver a ser um sujeito com sonhos e ambições próprios?

Como fazê-lo respeitar as regras que valem para todos se sua vida é tão diferente das outras? Como ensiná-lo a enfrentar os olhares de inveja e interesse despertados pela condição, alheia a sua vontade, de ter nascido tão rico em um país tão desigual?

Aos 20 anos, Thor não é apenas o filho mais velho do bilionário com a beldade: ele é um experimento pedagógico ambulante. Se Eike e Luma conseguiram educá-lo para ser um homem digno da fortuna que herdará, renova-se a nossa fé na capacidade dos homens de superarem e transcenderem suas circunstâncias – na fartura e na miséria, a pé ou de Mercedes.

Meu juízo classe média me assopra que meninos de 20 anos e seus hormônios traiçoeiros não deveriam lidar com carros mais potentes do que a sua capacidade de discernimento e autocontrole. Mas, apesar do carro importado, dos advogados caros, do pai falastrão e das falhas da Justiça, que nem sempre trata ricos e pobres do mesmo jeito, Thor não merece ser julgado e condenado apenas pelas aparências.

Nem ele nem os meninos magrelas e pardos, sem nomes de deuses nórdicos ou pinta de galã, que precisam conquistar todos os dias o direito de contrariar os estereótipos.

O menino de Santo Ângelo – Nas reportagens, seu rosto e seu nome não aparecem, mas sua história anônima é parecida com a de muitos outros meninos de 15 anos – pelo menos 10% da população, segundo as estatísticas. Diferentemente da maioria, porém, esse menino não se escondeu.

Meu juízo classe média teria aconselhado o guri a ficar na dele, discreto, evitando chamar atenção para si ou para o fato de ter descoberto, já aos 13 anos, que gostava de meninos. Mas ele fez tudo ao contrário: contou para os pais logo que pôde e aos colegas de escola na primeira oportunidade.

As consequências foram as previsíveis: isolamento, gozação e depois violência física. Foi demais para ele – garotos de 15 anos tendem a superestimar sua capacidade de enfrentar adversidades. E o menino pensou em se matar.

O fato de ter pais amorosos e esclarecidos deve ter pesado para que ele desse mais valor à própria vida. Em vez de punir a si mesmo, botou a boca no trombone, reclamou, pediu ajuda, se expôs.

O filho de Eike, o menino de Santo Ângelo e todos nós somos produtos das nossas escolhas e das nossas circunstâncias. No caso do garoto gaúcho, sua coragem e seu pedido de ajuda podem ter servido para que outros garotos percebam que não estão sozinhos e que não devem desistir de denunciar a violência e a intolerância – mesmo que demore um pouco até serem ouvidos.

Contrariando o bom senso, ele tornou-se um pequeno herói da resistência. Thor, por sua vez, vai ter que provar que, diante da primeira grande adversidade da sua vida, também saberá transcender suas circunstâncias – agindo como homem, e não como herdeiro.

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