sábado, 17 de março de 2012



17 de março de 2012 | N° 17011
CLÁUDIA LAITANO


Comédias do amor

Uma boa história de amor é sempre uma história de antagonismo: dos personagens entre si, dos personagens e suas circunstâncias, do amor vivido com o amor imaginado. Amores improváveis, tempestuosos ou mesmo impossíveis são os únicos que valem a pena ser contados – os outros podem até fazer um certo sucesso na vida real, mas em geral rendem péssima ficção.

Se as histórias de amor são menos sobre o apaixonamento em si, que não comporta tantas variações assim, do que sobre aquilo que se coloca entre os amantes e a felicidade futura, as histórias românticas são tão sedutoras e envolventes quanto são complexos os motivos que tornam esses amores complicados: famílias rivais (Romeu e Julieta), compromissos de honra (Tristão e Isolda) ou mesmo a morte (Dante e Beatriz).

O amor de um herói por sua musa pode não ter mudado tanto assim desde que Ulisses percebeu que as distrações do caminho não eram tão interessantes quanto a sua amada Penélope, mas as circunstâncias de cada época costumam desempenhar um papel decisivo no tipo de obstáculos que se interpõem entre os amantes. Um grande amor é sempre particular e histórico ao mesmo tempo.

Quem analisar a evolução dos enredos das comédias românticas no cinema, do clássico Aconteceu Naquela Noite (1934) às obras completas de Jennifer Aniston, vai descobrir como essas histórias despretensiosas são testemunhos relativamente confiáveis não apenas da moral e dos costumes de uma época, mas também sobre tudo aquilo que ainda está instável e não completamente assimilado pela classe média que vai ao cinema no sábado à noite.

Mulheres saindo de casa para trabalhar, casais de classes sociais diferentes, sexo antes do casamento, tudo isso foi retratado (e exorcizado) nas comédias românticas, até o momento em que as novidades foram devidamente assimiladas e incorporadas (ou não) ao novo código de comportamento vigente.

Houve um tempo em que as comédias românticas tiravam sua graça de diálogos de duplo sentido em que o sexo era não mais do que uma sugestão apimentada. Em Aconteceu Naquela Noite, nada realmente acontece, mas a cena em que Clark Gable e Claudette Colbert dividem um quarto separados apenas por um lençol carrega uma enorme carga de erotismo sugerido.

Nos últimos anos, a ginástica sexual quase explícita tornou-se banal no cinema, enquanto o amor romântico e exclusivo foi sendo empurrado para arena dos desejos quase impossíveis – algo como morar de frente para o Central Park ou receber uma herança de uma tia rica. Nesse mundo em que o amor ficou mais complicado (e raro) do que o sexo, um dos temas recorrentes das comédias românticas tem sido a possibilidade de viver as experiências do amor tradicional sem o correspondente investimento afetivo.

Filmes como Amizade Colorida (Friends with Benefits) e Sexo sem Compromisso (No Strings Attached) falam de parceiros que dividem a cama, mas não as complicações e as DRs. Outros como Coincidências do Amor (The Switch) e Solteiras com Filhos (Friends With Kids) mostram amigos que procriam juntos, evitando o casamento, mas não a experiência de ter filhos.

A comédia romântica tradicional, do tipo casal se encontra e inventa um sonho de futuro, anda cada vez mais próxima da ficção científica – ou do filme de época.

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