terça-feira, 4 de outubro de 2011



04 de outubro de 2011 | N° 16846
CLÁUDIO MORENO


Não me devem nada

Atalanta, a donzela guerreira, teve a mesma infância infeliz vivida por quase todos os heróis da mitologia grega. Quando ela nasceu, o rei Iasos, que precisava de um filho varão, foi aconselhado pelo oráculo a abandoná-la. O servo que recebeu a incumbência se apiedou da criança e a depôs no interior de uma caverna, implorando a Artêmis que tomasse conta da pequenina.

O auxílio da deusa veio na figura de uma ursa que acabava de perder os filhotes; ao voltar para a caverna, encontrou a bebezinha chorando e começou a amamentá-la carinhosamente. Meses depois, um caçador das redondezas, percebendo o que se passava, aproveitou-se de um descuido do animal e levou a menina para sua casa, dando-lhe o nome de Atalanta.

O caçador morreu alguns anos depois, e Atalanta cresceu triste e sozinha. O tempo a transformou numa bela mulher, que vivia sob o sol da Arcádia, correndo pelos montes e pelos campos armada de arco e de lança, exatamente como Artêmis, sua deusa protetora – e, como ela, vestida apenas com uma túnica muito curta, presa num só ombro, que deixava livres os seus movimentos e pouco escondia de seu corpo ágil e flexível.

Os que encontravam a virgem caçadora ficavam enfeitiçados com a sua beleza selvagem, mas o temor de suas armas mantinha todos à distância.

Seu momento de glória ocorreu na grande caçada ao javali da Calidônia. A aventura atraiu jovens heróis de toda a Grécia, fascinados pela chance de conquistar honra e renome. Quando o javali investiu sobre eles, vários o atingiram com suas lanças, mas só depois de Atalanta ter ferido profundamente o dorso do animal com uma de suas flechas. Dela tinha sido o primeiro sangue e, por isso, coube a ela o troféu tão desejado.

Ao saber da façanha, Iaso chamou-a à sua presença e quis saber de onde ela provinha. Os indícios eram eloquentes, e o rei, exultante, reconheceu na heroína a filha que julgava perdida; abraçando-a, lamentou ter-lhe faltado, quando ela nasceu, a coragem de desobedecer à recomendação do oráculo. Ela também o abraçou.

Não ia exigir que o pai agora lhe desse o que não pudera dar a ela vinte anos atrás. Iam começar do zero e tratar de ser felizes. Atalanta antecipava, assim, o que Epíteto viria a escrever: a pessoa comum culpa o outro por tudo o lhe que sai errado; o noviço em filosofia culpa sempre a si mesmo; o sábio, sempre tão raro, não culpa nem um, nem outro.

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