terça-feira, 30 de agosto de 2011



30 de agosto de 2011 | N° 16809
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


No tempo da Legalidade

Vivi, morando a duas quadras da resistência democrática, o episódio da Legalidade. Na tarde de 25 de agosto de 1961, minha tia Olha chamou-me para ouvir uma notícia espantosa: Jânio Quadros havia renunciado ao mandato de Presidente da República.

Eu ainda não votava, mas tinha esperança na figura daquele líder contraditório. Esperança em quê? Em que ele desse continuidade ao governo de Juscelino Kubitschek, o homem que havia construído 50 anos em cinco.

É certo que Jânio Quadros vinha se mostrando um primeiro magistrado bizarro. As notícias que eu ouvia de sua administração eram esquisitas ou extravagantes. Por decretos ou simples bilhetes, ele havia planejado a anexação da Guiana Francesa, proibido o maiô em concurso de miss, proscrito o lança-perfume, acabado com as brigas de galo, fulminado as corridas de cavalo em dias de semana. Não era o que se esperava de um estadista.

Nem mesmo de um estrategista. Jânio havia enviado o vice-presidente João Goulart em visita oficial à China, na esperança de que as ambições fardadas não permitiriam sua posse no Planalto. Os ministros militares vetaram Jango, mas não contavam com a oposição firme, corajosa e decidida de um gaúcho. Leonel Brizola empolgou o Rio Grande e logo o Brasil com sua conclamação à resistência ao golpe, pela Rede da Legalidade, instalada nos subterrâneos do Piratini.

Eu assisti a tudo isso muito de perto. A certa altura, meu avô, o patriarca da família, ante a ameaça de bombardeio do Palácio, decidiu que todos iríamos para a casa dos primos Rizzon, que nos acolheram magnificamente na Jerônimo de Ornellas. Dali partimos para Cachoeira – o desfile dos voluntários de Rio Pardo foi uma visão noturna inapagável.

Em minha terra, tudo foi festa, aí incluída a dos 15 anos de minha amiga Lia Pertille. As aulas estavam suspensas, havia reuniões dançantes todos os dias e seguíamos a cada hora o triunfo dos legalistas – Brizola à frente – até a derrota dos golpistas, os mesmos que menos de três anos depois deporiam Jango e inaugurariam a ditadura.

Mas isso então ainda estava distante. Eu era, à época, um garoto de 16 anos e aqueles dias ficaram para toda vida como um interlúdio inesquecível.

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