quarta-feira, 10 de agosto de 2011



10 de agosto de 2011 | N° 16788
MARTHA MEDEIROS


Amo Domingos

Se você fizer uma enquete sobre o dia mais odiado da semana, vai ouvir a mesma resposta dos entrevistados: segunda-feira. Tsc, tsc, que falta de espírito de aventura. Nada como uma segunda-feira novinha em folha pra você dar continuidade a tudo o que ficou pendente na semana passada. Se você acha que só uma neurótica comemoraria a volta ao trabalho e ao trânsito, está esquecendo o que a segunda-feira tem de melhor: acabou o domingo.

Domingo só é bom quando você está fora da cidade e, melhor ainda, do país. Estando em casa, o cenário é de guerra: as camas permanecerão como amanheceram, o jornal passará o dia inteiro esquartejado no chão e a cozinha será interditada pela Vigilância Sanitária. E, ao ligar a TV num canal aberto, aí mesmo é que a pulsão para o suicídio será latente. Domingo é um tédio. Mas é possível salvá-lo.

Domingo passado, me ofertei uma overdose de Domingos Oliveira. Assisti no DVD aos filmes Separações e Feminices, li alguns textos seus para teatro reunidos em livro, assisti a reprises de programas que ele gravou para o Canal Brasil e ainda sobrou tempo para curtir seu blog. Recomendo Domingos Oliveira contra o marasmo dos dias, de qualquer dia.

Como muitos sabem da minha fissura por Woody Allen, podem estar fazendo a conexão, já que dizem que um é a versão do outro, mas acho que cada um é brilhante a seu modo. Se há uma conexão, é a da inteligência, da irreverência e do prazer. Eles falam da dor existencial como se ela fosse uma bênção, como se devesse ser consumida com uma pequena dose de sarcasmo e um bom vinho.

Sempre é outono no universo desses cineastas, mesmo que esteja nevando lá fora ou que um mormaço africano esteja derretendo catedrais. Em suas obras, a vida é celebrada a cada palavra, a cada vírgula, e sem ponto final. Não há pedantismo, não há manipulação dos sentimentos, tudo é poesia, mistério e graça. Há quanto tempo você não depara com poesia, mistério e graça?

Adoro também o jeito que eles dirigem seus filmes. Fica-se com a sensação de que tudo é um grande e ininterrupto ensaio, que o roteiro não precisa ser seguido com rigidez, que o improviso é que dá o tom do espetáculo: tal qual a vida fora do palco e das telas.

E há, por fim, o amor. A paixão. As desilusões. A ópera burlesca dos desejos. A busca incessante por estar com o outro, ser amado pelo outro, ganhar algum significado através do outro. É um balé de encontros e desencontros tragicômico que permanece continuamente em cartaz.

Hoje Domingos Oliveira será homenageado pelo Festival de Cinema de Gramado. Não podendo estar lá, faço minha pequena homenagem aqui neste espaço mesmo.

Eu, que não gosto de domingos, hoje venho publicamente dizer que adoro Domingos.

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