terça-feira, 5 de abril de 2011



05 de abril de 2011 | N° 16661
CLÁUDIO MORENO


La donna è mobile

Ninguém é sempre o mesmo – e disso ninguém duvida. Mudamos o corte de cabelo e a maneira de vestir, mudamos de hábitos e de apetites. Trocamos de ideias e de atitudes; nossa opinião de hoje, que contradiz a de ontem, poderá ser abandonada amanhã.

Como muito bem disse Montaigne, somos formados por peças e retalhos que se juntam num arranjo variável e mutante, em que cada elemento, simultaneamente, desempenha o seu papel – e há tanta diferença entre nós e nós mesmos quanto entre nós e os outros.

Embora essa descrição se aplique a toda a espécie humana, a tradição masculina atribui às mulheres uma vocação especial para a inconstância. La Donna è Mobile, a conhecida ária de Verdi, diz tudo isso cantando: a mulher é volúvel como uma pena ao vento, muda seu tom e seu pensamento – e vá o homem confiar num coração assim tão inquieto...

Para contrabalançar (e corrigir) essa visão exagerada, nada melhor, a meu ver, que a versão grega do mito de Selene, a deusa da Lua. Desiludida do gênero masculino, esta jovem deusa não se interessava por homem algum e parecia conformada em viver eternamente solitária, contentando-se em servir apenas de inspiração para músicos e poetas.

Uma noite, porém, durante sua melancólica trajetória pelo céu deserto, ela percebeu (pois não era mulher?) que estava sendo acompanhada por um olhar que não conhecia, mais intenso e emocionado.

Era Endímion, o tímido e belo pastor da Tessália, que levava o rebanho para o alto do monte, todas as noites, a fim de poder vê-la mais de perto. Seu olhar sonhador abalou a frieza de Selene e a fez descer do firmamento diretamente para seus braços. Como uma história feliz, casaram e tiveram filhos.

Pouco a pouco, do alto do monte, ele, que era homem sensível, tinha começado a compreender o caprichoso ciclo lunar, que era um mistério para todos, e soube, como ninguém, adivinhar o ritmo de seus delicados movimentos pelo céu noturno. Ao entender Selene, Endímion tinha entendido a mulher, pois é disso que trata este belo mito: a perplexidade do homem diante da misteriosa complexidade da alma feminina.

Por isso, só posso me alegrar ao saber que na semana que vem estreia na HBO a série Mulher de Fases, em que nossa talentosíssima e queridíssima Claudinha Tajes, transmitindo diretamente das hostes femininas, vai nos fornecer sua visão alegre e bem-humorada desta rica potencialidade que a mulher tem de ser uma e muitas ao mesmo tempo.

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