quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011



02 de fevereiro de 2011 | N° 16599
MARTHA MEDEIROS


Lúcifer no Fasano

Eu estava hospedada na minha avó, em Torres. Era verão de 1993. Estávamos só nós em casa naquele fim de tarde. Ela, com a autoridade de seus mais de 80 anos, chamou a moça que trabalhava pra ela, a Zaimara, abriu a carteira, tirou uma nota de R$ 10 e pediu: vai lá no Bazar Praiano e me traz uma revista Caras, por favor.

– Revista o quê?

– Caras. Primeiro número.

Minha vó, muito antenada, sabia que uma nova revista estava estreando no mercado. Uma revista que trazia apenas notícias de celebridades, e quis conferir. Eu já conhecia as versões latino-americanas e não me empolguei muito. Quando a Zaimara voltou com a revista (já lida de cabo a rabo), minha vó folheou uma página, outra página, mais uma, e sentenciou: “O que eu pensei. Porcaria”.

Tarde da noite, levantei pra pegar um copo d’água e vi luz embaixo da porta do quarto da minha vó. Como não havia televisão ali dentro, e muito menos um marido, concluí que ela estaria dando uma segunda e longa espiada na porcaria. Quem resiste?

O lançamento da revista Caras foi um divisor de águas. Competente em mostrar o dia a dia (e a noite adentro) de qualquer pessoa que tenha tido seus 15 minutos de holofote, a revista sedimentou a profissão dos paparazzi e modificou a relação do público com seus ídolos.

Se antes alguém era reconhecido por seu talento em atuar, cantar ou desfilar, agora era reconhecido pelo número de separações, pelo tamanho do biquíni e pelas viagens a castelos onde se janta em traje de gala e se fazem piqueniques usando duas camadas de maquiagem. Nunca a cafonice foi tratada com tanto glamour.

Não desprezo a revista, na qual já apareci uma ou duas vezes – nunca tomando champanhe dentro da banheira e tampouco deitada sobre um tapete de zebra vestindo um longo de cetim vermelho, digo em minha defesa. Escritora aparece no máximo com uma xícara de café em frente ao computador.

O que acontece é que depois da Caras veio a Quem e tantas outras, e também alguns programas de TV especializados em fofoca, e de repente a banalização da privacidade ganhou um espaço sem precedentes. Celebridade, que podia ser uma palavra definidora de alguém notável, passou a designar qualquer um.

E qualquer um fazendo revelações constrangedoras e vulgares, desfrutando de uma fama meteórica e provocando um deslumbramento patético nos simples mortais. Aquela ali é a Ariadna? É a Geisy? Uma é a transexual que ficou uma semana na casa do Big Brother, a outra foi discriminada por usar minissaia na faculdade, é o currículo profissional delas.

Causam o mesmo alvoroço que Demi Moore e Ashton Kutcher, que por sua vez causam o mesmo frisson que o pai do Michael Jackson, que é tão famoso quanto o vlogueiro que surgiu ontem no YouTube. Se Lúcifer saísse do inferno para dar uma banda por aqui, teria mesa cativa no Fasano.

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