terça-feira, 1 de fevereiro de 2011



01 de fevereiro de 2011 | N° 16598
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Dr. Fritz

Nos tempos em que passava o mês de janeiro em Cachoeira, tinha um agradável projeto de vida: estudar a história de minha cidade. Olhando para trás, não consigo imaginar algo de mais prazeroso para o espírito do que mergulhar em velhas páginas de jornais, ler antigas atas e trocar ideias com pessoas que conheciam mais do que eu a trajetória de nosso passado compartilhado.

Uma dessas personagens partiu há poucos dias, aos 90 anos. Chamava-se Fritz Strohschoen. Era uma figura renascentista, pela amplitude e o alcance de sua cultura. Doutor em Economia, formando em Ciências Econômicas e em Ciências Jurídicas e Sociais, era também graduado em Administração e em Ciências.

Mas nenhuma dessas era a sua grande paixão. Muito além dos autos de criação, mandados de D. João VI, mapas de província, alvarás de registro e demarcação, o dr. Fritz sabia contar as pequenas grandes histórias de nossa História. Os papéis do Arquivo Municipal eram a moldura da real evolução de Cachoeira pequenina, que ele ia revelando em sua nudez e em sua natureza mais simples.

Lembro em especial um desses janeiros que passei na Granja da Penha, e no qual os encontros com o mestre aconteciam todas as tardes. O dr. Fritz me transmitia então todo um curso de História de Cachoeira, com base em sua fabulosa memória de figuras, incidentes e episódios, realçando o lado humano de cada fato.

Foi assim que fiquei sabendo da longa batalha entre um vigário e a Câmara Municipal, em torno do destino dos sepultamentos. Foi assim também que tomei conhecimento da luta que travaram duas famílias em uma longuíssima rivalidade, e que só terminou, um pouco como em Verona, quando um rapaz e uma donzela, cada um de um dos clãs, juraram amor eterno.

E foi ainda assim que me inteirei do combate de Barro Vermelho, do frio assassinato do dr. Baltazar de Bem, no auge de sua juventude e de seu prestígio, morto por um rapaz que nem sabia em quem estava atirando, e que passou o resto da vida escondido nos matos do Piquiri.

Muitas outras narrativas escutei do dr. Fritz, e sobre algumas delas ainda pretendo escrever. Por enquanto me resta a evocação do homem para quem a História, mais além dos livros, era algo de vivo e presente.

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