quarta-feira, 8 de dezembro de 2010



08 de dezembro de 2010 | N° 16543
MARTHA MEDEIROS


Adeus ao “em off”

Antes de o ano terminar, mais um fato explosivo: o vazamento de informações confidenciais pelo site WikiLeaks, comprometendo as relações diplomáticas de diversos países e causando muitas saias justas, inclusive no Brasil. Não tenho opinião sacramentada sobre o assunto.

Um lado meu concorda que informações de trincheira devam vir a público, já que o que é tramado por organizações governamentais interessa a todos. Mas admito que há aí um certo idealismo, pois dificilmente conseguiremos destituir o poder do “em off” no universo cavernoso da política. Já aqui fora, o “em off” desapareceu de vez.

Outro dia, assisti a uma reportagem sobre a invenção de uma touca de eletrodos que, ao ser colocada na cabeça, emite sinais ao cérebro do usuário, possibilitando que ele acione comandos através da força do pensamento. Aposto: em um piscar de olhos, será patenteado e vendido nas Americanas.

E não vai parar aí: pesquisas avançam e logo será possível ler os pensamentos de outras pessoas. Nada me parece mais invasivo. Considero um atrevimento até para com os criminosos. O pensamento é o único reduto de liberdade e privacidade que nos resta. O dia em que pudermos ler os pensamentos uns dos outros, acabou-se todo o mistério da vida.

O mercado de trabalho dos detetives não deve estar fácil. Quem precisa contratar os serviços de um profissional em plena era do Facebook e do Twitter? Ninguém faz mais nada escondido.

E, se fizer, câmeras estarão filmando a criatura desde o momento em que ela sai pela porta de casa, entra no elevador, cruza a garagem do prédio, circula pelas ruas e chega ao escritório, sem falar na fiscalização dentro de bancos, restaurantes, boates, lojas, agências lotéricas e igrejas. Igrejas, sim, não duvido.

Além disso, você pode ser filmado enquanto faz sexo e pode ser fotografado por algum celular enquanto tem um ataque epilético na rua. Vai tudo pro YouTube. Todos sabem o que você fez no verão passado e no minuto que passou também.

Ninguém mais consegue dar uma sumida. Não existem mais portas, não existem mais paredes. Alguém sabe exatamente onde você está, com quem e em que está pensando. Se não sabe, você mesmo irá contar.

Julian Assange, o criador do site WikiLeaks, justifica a revelação de documentos confidenciais com o argumento de que tem “aversão a segredos”. É uma frase que parece heroica, mas me apavora.

Tudo agora é rastreável: não existe mais o secreto, o particular, o reservado. Estamos dando adeus à matéria-prima da poesia, do sentimento, da introspecção, do delírio e da liberdade. Optamos por viver todos atados uns nos outros – curiosamente, com tecnologia wireless.

Nenhum comentário: