quarta-feira, 3 de novembro de 2010



03 de novembro de 2010 | N° 16508
MARTHA MEDEIROS


Memória musical

Sem que ninguém tenha me pedido nada, quero endossar publicamente uma iniciativa de Zero Hora que merece atenção, não por ser promovida pelo jornal para o qual escrevo, mas pela sua utilidade na formação do ser humano. Ok, soa pretensioso, mas é disso que se trata mesmo, formação.

Falo da “Discoteca Básica”, composta por 25 CDs do que de melhor já foi produzido pela música popular brasileira nas últimas décadas. Quando vi a seleção de discos, me belisquei. Quase tudo tive em vinil, e por uma bobeira indesculpável, passei adiante. É a chance que tenho de resgatar momentos preciosos da minha cultura musical.

Quando as pessoas perguntam os livros que me inspiraram na adolescência, cito alguns autores, mas nunca deixo de salientar que a música me foi igualmente inspiradora. Não sei que espécie de infância eu teria se não fosse embalada pelo som dos quatro baianos geniais, mais Jorge Ben, Rita Lee, Chico Buarque, Elis Regina e tantos outros. Pois agora tenho a chance de trazê-los de volta pra casa.

Alguns discos dessa seleção foram como pai e mãe pra mim. Fruto Proibido, de Rita Lee, me fez identificar a ovelha negra que somos todos, em alguma etapa da vida. Acabou Chorare foi a trilha sonora de um namoro da época da faculdade com um fotógrafo que me deixou de herança o amor pelos Novos Baianos.

Secos & Molhados é o disco que fez eu descobrir que meus pais não eram tão conservadores assim, pois não se assustaram com os trejeitos do invertebrado Ney Matogrosso e me levaram pela mão até o Gigantinho, quando eu tinha 12 anos, para ver toda aquela transgressão de perto. Clube da Esquina, de Milton Nascimento e Lô Borges, foi uma espécie de iniciação à ópera. Somos todos Iguais nesta Noite, de Ivan Lins, me educou para a celebração da vida.

O disco da Blitz me estimulou a ver o mundo com olhos mais divertidos. E o disco do Zé Ramalho me ensinou outro tipo de oração. Eles me fizeram ir além da cartilha dos bancos escolares.

Se eu pudesse completar a coleção, ainda haveria lugar para o disco Alucinação do Belchior, o primeiro disco da Gal, com Não Identificado, o disco do Toquinho e Vinicius de 1971, o primeiro da Angela Rô Rô com a imortal Amor, meu Grande Amor, o Fullgás da Marina, o Face a Face da Simone, o antológico disco de estreia das Frenéticas, o disco de 1970 do Tim Maia (Primavera e Azul da Cor do Mar), algum disco de Sá, Rodrix e Guarabira, os nossos Almôndegas, algum do início do Legião Urbana e, pomba, cadê o rei?

Roberto Carlos merecia entrar na lista com a trilha sonora do filme Em Ritmo de Aventura. Atenção, Zero Hora: há material suficiente para uma Discoteca Básica parte 2.

Hoje, os filhos já não ouvem música com os pais. Cada um fica no isolamento do seu quarto, baixando seus hits no computador, hipnóticos em seus fones de ouvidos. Não faltam bons nomes atuais, como Adriana Calcanhoto, Lenine e Zeca Baleiro, mas nada se compara ao assombro que caracterizou a MPB dos anos 70. Quem viveu lembra. Se não lembra, tem a chance agora.

Aproveite o dia. Uma linda quarta-feira pra vc

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