quarta-feira, 9 de junho de 2010



09 de junho de 2010 | N° 16361
MARTHA MEDEIROS


Figurinhas

Entrei numa tabacaria para comprar uma revista. Na hora de pagar, havia uma família na minha frente: pai, mãe e um garoto de uns cinco anos. O menino deu uma puxadinha no casaco do pai e disse: “Não esquece as figurinhas”. O pai pediu ao atendente: “Me vê dois pacotes de figurinhas”.

O rosto do menino murchou como se tivesse acabado de descobrir que Papai Noel não existe. “Dois?” O pai nem olhou pra ele. O menino: “Só?”. O pai olhou pra esposa e disse: “Um ou dois, mãe?”. Ela respondeu: “Dois, vai”. O pai foi enfático com o atendente: “Dois pacotes”.

Eu estava com minha carteira na mão e a vontade que tive era de comprar todas as figurinhas da loja para aquele menino que assistiria em breve a sua primeira Copa do Mundo, já que na anterior ele era pouco mais que um bebê.

Mas eu não podia me intrometer na dinâmica daquela família, não podia desautorizar aquele pai, minha gentileza poderia ser considerada uma humilhação para ele, então engoli em seco e fiquei lembrando da minha infância.

Todos os sábados à noite, eu e meu irmão dormíamos na casa de uma das avós. Um sábado na vó Iby, outro sábado na vó Zaíra. Sempre antes de nos deixar lá, o pai nos levava numa tabacaria que ficava na esquina da Coronel Bordini com a Avenida América e permitia que a gente escolhesse um gibi, além de comprar 10 pacotes de figurinha para o álbum que estivéssemos colecionando.

Existia de tudo: álbum com fotos de bichos, de carros, de artistas de novela e muito álbum com jogador de futebol. Dez pacotes. Ah, e Mentex. Uma caixinha de Mentex para cada um. Era o grande momento da semana.

Minhas avós já faleceram, o que é triste, mas não é uma surpresa, ou teriam hoje mais de cem anos. Surpresa é ver que os álbuns de figurinha seguem vivos e com o mesmo prestígio. Uma das poucas tradições que se mantiveram inalteradas.

Existem álbuns virtuais, claro, mas não são esses que empolgam, e sim os feitos de papel, comprados em bancas, com figuras vindas em pacotinhos, tudo igual como antes, e gerando a mesma ansiedade infantil, capaz de mobilizar meninos e meninas a se relacionarem de verdade, olho no olho, para promoverem as trocas.

Aliás, ansiedade não só infantil, como tenho acompanhado aqui em casa. Sábado passado recebi a visita do meu afilhado, de cinco anos, que veio trocar figuras com a prima dele, minha filhinha de 19, que já está na faculdade. Vê-los os dois, sentados no sofá, trocando Nilmar por Robinho, e se excomungando pela falta de um Elano, me fez sorrir e pensar que o mundo tem salvação.

Tanto tem, que aquela história da família na tabacaria não terminou. Aos 45 do segundo tempo, o pai fez um cafuné na cabeça do filho e disse: “Tô brincando. Moço, me dá 10 pacotinhos”.

Não teria como descrever aqui o sorriso do menino, ainda que, por dentro, suspeito que ele quisesse matar o pai – no que eu apoiaria, porque não entendo quem gosta de torturar crianças a título de “brincadeira”. Mas vá lá, foi um final feliz. Ainda bem que não me meti.

Uma ótima quarta-feira. Aproveite o dia

Nenhum comentário: