terça-feira, 6 de abril de 2010



06 de abril de 2010 | N° 16297
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Mora na filosofia

A edição de Veja de 31 de março traz más notícias para os amigos da sabedoria. Uma reportagem de Marcelo Bortolotti lembra que os oito milhões de estudantes brasileiros matriculados no ensino médio começaram a receber este ano, porque assim manda a lei, aulas de filosofia e sociologia.

Mas, longe de ser uma boa nova, o que se vê é um desfile de conceitos simplificados e um festival de velhos chavões de um marxismo primário.

Para se ter uma ideia do estrago, no Acre, uma das metas do currículo de sociologia é ensinar os alunos a produzir regimentos internos de sindicatos de trabalhadores e, no Espírito Santo, a filosofia abarca da culinária capixaba aos ritmos indígenas.

Ora, a sociologia e a filosofia frequentam os bancos das escolas médias brasileiras desde o século 19 e foram obrigatórias, com pequenas interrupções, entre 1925 e 1971. Este último ano é, aliás, fatídico. Uma reforma da educação, eclodida bem nessa época, decretou o exílio, não só das duas disciplinas, como do latim e do francês, em benefício do monopólio do inglês, da morte da redação e do império das cruzinhas no vestibular. Tudo aliás bem ao estilo da data da edição de Veja.

Tive a sorte de estar matriculado no Colégio Anchieta antes dessas catástrofes. Estudávamos então, nas arcadas do velho conjunto de edifícios que se estendia da Rua Duque à Fernando Machado, algo mais do que uma concepção do mundo ou de uma visão de vida.

Mais do que os sentidos etimológicos, imergíamos nós, os adolescentes de 15 a 18 anos, na gênese do pensamento, na fase mítica ou afilosófica, na atitude grega, na Escola Jônica. Aprendíamos que o homem é mais psíquico que material, que a história do pensamento humano se confunde com a própria história da razão humana.

Nomes como Tales de Mileto, Anaximandro, Demócrito, Heráclito, Pitágoras, Eurípedes, Anaxágoras, Parmênides nos eram quase familiares. Sem falar em Sócrates, Platão e Aristóteles. É claro que isso não nos absolvia de aprender Matemática, Química, Física ou Biologia, ou de entoar Canto Orfeônico.

Aí veio o 31 de março, já aqui duas vezes citado, e tudo isso foi abaixo. Agora as coisas parecem estar mudando. Tenho uma sobrinha que estuda latim em sua escola particular. Estuda também filosofia. Há essa nova lei que devolve matérias esquecidas aos currículos.

Não importa se, de início, estejam elas contaminadas de um viés ideológico. A sensatez haverá de superar a superficialidade. E a educação será outra vez uma construtora de consciências.

Uma gostosa terça-feira. Aproveite o dia

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