quinta-feira, 25 de junho de 2009



25 de junho de 2009
N° 16011 - LETICIA WIERZCHOWSKI


Paisagens da minha janela

Sou, digamos assim, uma janeleira convicta. Não que eu seja bisbilhoteira, mas existe algo de ficcional no desenrolar da vida de outrém, as imagens sem palavras, os fiapos de dia que escapam pelas cortinas abertas de uma casa. Infelizmente as janelas estão cada vez mais apartadas da vida das ruas, escondidas atrás de grades, vidros antirruído e filtros de luz.

Porém, do alto do meu apartamento, já acompanhei momentos inesquecíveis (alguns dos quais narrei aqui neste espaço), como quando nasceram as gêmeas da minha rua – primeiro vi uma moça grávida repousando dias a fio. Eu olhava-a com preocupação, vendo crescer aquela barriga cheia de cuidados, uma desconhecida ansiosa por outra.

Depois, chegaram dois bercinhos naquele apartamento. Explicava-se assim o repouso e a enorme barriga da minha vizinha sem nome. Finalmente, um dia, ao abrir minhas cortinas, vi as duas menininhas em seus berços. Ao redor delas, o bulício da família que ia e vinha, cheia de alegria.

Desde que me mudei para essa ruazinha, entre um parágrafo e outro, estico-me na cadeira para espiar o céu e o movimento lá embaixo – que outrora era pouco, e que agora aumenta sem parar.

A cada nova estação, uma casa cede lugar a um prédio, e onde antes uma família vivia, com suas árvores, seus cachorros e seu quintal, agora vivem 20. Da janela do meu escritório, vi crescer três robustos meninos que passavam as manhãs a brincar com um labrador. Há muito que eles se foram, e agora o esqueleto de um novo prédio oculta parcialmente o naco de céu que antes me aliviava.

Foram-se alguns metros de azul, umas árvores singelas e aqueles risos nas manhãs de sábado, quando o pai e seus filhos brincavam no quintal aos nossos pés. Mais do que isso, esse prédio apartou-me da visão de uma janela sempre acesa, tarde da noite, e de um senhor que passava muitas horas à sua mesa de trabalho.

Como eu gostava de vê-lo, e como me acalmava a certeza de que ele jamais deixava seus escritos antes da madrugada… Quando eu mesma não tinha tempo para escrever, atrapalhada com as lides dos meus filhos, havia o consolo daquela presença. Lá ele estava sempre, fosse dia ou noite, compenetrado e atento, e eu punha-me a criar possibilidades…

Talvez o homem fosse um médico trabalhando numa importante pesquisa, talvez um poeta procurando a palavra exata. Talvez um filósofo ou, ainda, um escritor de livros infantis. Lá estava ele, eterna paisagem da minha janela. Digo estava, porque agora não o vejo mais.

Imagino que escreva ainda, diligentemente debruçado sobre sua mesa. Mas agora, entre nós, há todo esse concreto e o ruído das serras, e parece então que já vivemos em esferas diferentes.

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