sábado, 1 de novembro de 2008


José Antonio Lima

Cuidado: você pode estar tomando um placebo

Pesquisa americana mostra que 50% dos médicos receitam com freqüência placebos ou remédios sem eficácia comprovada. A prática é difundida, mas sofre críticas do ponto de vista ético e da saúde pública

Imagine que você está com uma forte dor, desmarca compromissos, falta no trabalho e corre para o médico em busca de ajuda.

No consultório, a sua expectativa é receber um remédio que fará o incômodo passar, mas existe uma grande chance, de 50% segundo um estudo divulgado na semana passada, de que o médico prescreva uma droga inócua – os placebos – ou um medicamento sem eficiência comprovada.

Em ambos os casos, a intenção é que você sinta o efeito placebo – aquele em que a simples impressão de ser medicado produz uma reação psicológica positiva que se reflete em uma melhora real no estado de saúde do paciente.

Esse tipo de prática é comum na medicina há séculos e tem sucesso relativo para determinados tipos de doentes, mas é questionada tanto do ponto de vista ético como da saúde pública.

"Dar um placebo ou um remédio que não tem eficácia provada sem o paciente saber não é ético", diz Décio Mion, coordenador do Núcleo de Apoio à Pesquisa Clínica do Hospital das Clínicas, da Universidade de São Paulo. "O médico não pode se sentir onipotente".

Duas das justificativas para dar esse tipo de medicamento são a pressa e o descaso com pacientes mais complicados, como os que têm algum nível de hipocondria.

"Para esse tipo de médico, o paciente incomoda. Parece que é muito mais fácil dar um remédio do que explicar o que pode estar causando problemas ao doente", afirma Antonio Carlos Lopes, professor titular de Clínica Médica da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Segundo Mion, uma motivação mais nobre para usar esse tipo de recurso é o resultado de algumas pesquisas. Em testes com pacientes hipertensos, por exemplo, chega a 20% o número de pessoas que conseguem normalizar a pressão tomando apenas placebos.

Conta muito para isso, explica Mion, o fato de a hipertensão ser uma doença com um forte componente emocional – e suscetível, portanto, ao efeito placebo.

Ainda que esse efeito positivo tenha sido demonstrado empiricamente, o uso de placebos é controlado em quase todo o mundo. No Brasil, a restrição foi ampliada em 22 de outubro deste ano pelo Conselho Federal de Medicina.

O texto da entidade proíbe a participação de médicos em pesquisas que utilizem placebo quando houver disponível tratamento eficaz já conhecido.

Para as pesquisas, a fiscalização funciona, mas o problema é quando os placebos são substituídos por remédios ineficazes. Nesses casos, não há controle.

Pesquisa

Na semana passada, pesquisadores das universidades de Chicago, Harvard e do National Institutes of Health, um dos órgãos de pesquisa mais respeitados dos Estados Unidos, publicaram no British Medical Journal (BMJ) um levantamento feito com clínicos gerais e reumatologistas, médicos que tratam com freqüência pacientes com condições clínicas debilitantes, e que são difíceis de diagnosticar.

Segundo os dados, 50% dos 679 médicos entrevistados confirmaram que receitam drogas sem efeito comprovado aos pacientes. Quase 70% dizem que o medicamento é "potencialmente benéfico, mas não usado tipicamente para a sua condição".

A pesquisa revelou que, dos remédios receitados, apenas 5% são os placebos usados em pesquisas – pílulas de açúcar (2%) e injeções salinas (3%). O grosso é formado por analgésicos que podem ser comprados em farmácias, vitaminas e até sedativos e antibióticos.

Para os médicos contrários à prática, a prescrição desse tipo de medicamento amplia o problema. "Quanto às vitaminas, não há tanto problema, mas o caso do antibiótico é ainda mais grave, pois pode criar resistência no paciente e dificultar tratamentos futuros", diz Décio Mion, do Hospital das Clínicas.

Quanto aos sedativos, o perigo é que uma pessoa medicada com um remédio desse tipo fique sonolenta, e não possa fazer atividades como dirigir ou trabalhar com materiais perigosos.

O que é preciso fazer então para escapar desse tipo de receita? Talvez o melhor seja procurar um médico que valorize a relação com o paciente.

"Muitas vezes um médico que tenha carisma, postura e esteja disponível para o paciente pode resolver o problema sem usar medicamentos, especialmente quando questões emocionais estão envolvidas", diz Antonio Carlos Lopes, da Unifesp.

Mas um outro dado da pesquisa mostra que as críticas e a polêmica acerca do tema não devem diminuir a quantidade de médicos que fazem esse tipo de prescrição.

Enquanto 50% dos entrevistados receitam placebos e remédios sem eficácia comprovada, 62% acreditam que essa prática é eticamente aceitável. Ao que parece, mesmo que os pacientes tentem evitar essa situação, a decisão está nas mãos apenas dos médicos.

Nenhum comentário: