quarta-feira, 29 de outubro de 2008



29 de outubro de 2008
N° 15773 - DIANA CORSO


Amores brutos

“Quem ama não mata”. Essa era a frase das feministas, décadas atrás, protestando contra a matança de mulheres pelos seus homens. A afirmação é convincente, mas será que se trata de amor nesses casos?

O Brasil inteiro assistiu a jovem Eloá, 15 anos, ser seqüestrada e assassinada pelo seu ex-namorado Lindemberg, 22 anos. Sobre as trapalhadas policiais que redundaram no desastre só teria a opinar que a atuação sistemática de algum psi (psiquiatra, psicólogo, psicanalista) nas negociações teria melhores chances do que o telefonema da Ana Maria Braga.

O amor não é desinteressado, só dizemos “eu te amo” para ouvir, no mínimo, “eu também”. Amamos para ser amados, mas as relações amorosas possibilitam também a construção e o reconhecimento da identidade sexual: só serei homem ou mulher de verdade se houver alguém que me deseje, que satisfaça seus anseios em mim e comigo.

Na lógica masculina mais corrente, uma mulher que está satisfeita na relação confirma a virilidade do parceiro. Se ela o deixa, é como se lhe negasse a potência, se o substitui, é como se ele perdesse a disputa, comparado ao novo amor.

Por isso os homens podem ficar bem violentos nos fins dos relacionamentos ou em uma simples cena de ciúme: está em jogo sua identidade. Para certos homens, fraquejar em sua potência não é um tropeço, pode ser vivido como uma ameaça de destruição.

Por isso, muitas vezes, aquele que foi traído mata a mulher, eliminando aquela que deveria mantê-lo homem, mas fez o contrário. O fato de sua mulher gozar com outro seria, para esses machos, o mesmo que feminilizá-los, submetendo-os ao domínio do novo escolhido.

A atitude de Lindemberg baseia-se nessa lógica. Ele promoveu uma encenação patológica, acompanhada pela audiência em tempo real, daquilo que deveria manter-se apenas na fantasia.

Ele matou Eloá pelas razões acima: ela não devia seguir vivendo sem amá-lo e jamais deveria entregar seu coração para outro homem.

Óbvio que uma menina de 15 anos sequer suspeita que sua vida amorosa possa tomar esse rumo. Quanto a nós, que vimos o rapaz demarcar seu território viril como um bicho furioso e acuado, podemos tentar compreender, sem jamais perdoar, a fonte dessa loucura.

Além de perguntar-se sobre a segurança, o papel do Estado, da polícia, da mídia, da família, vale no mínimo questionar-nos por que, para certos homens, sua identidade é algo que pode se decidir na ponta do cano do revólver.

Esse nunca nega fogo, não brocha e, infelizmente, não há dúvida: Eloá nunca pertencerá a outro homem.

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