Voces encontrarão aqui uma variedade de coisas que gosto: crônicas de jornais diários e de revistas semanais, de livros que já li e de outros que gostaria de ler... de imagens que gosto e tenho e outras que ainda sonho em fazer. Enfim, há uma variedade de coisas que espero voces também gostem pois esta, é uma das razões de ele ser. Sintam-se em casa aqui.
sexta-feira, 15 de agosto de 2008
15 de agosto de 2008
N° 15696 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA
Um jeito bem antigo
A senhora me detém na rua, sorri, pergunta como eu vou, indaga de pessoas que me são próximas, e a todas essas não faço a menor idéia de quem ela seja.
É tão amável e espontânea, que não me encorajo a dizer que não a reconheço. E então se desenrolam alguns minutos do mais absoluto nonsense. A senhora insiste em sua intimidade, quer saber de A e de B, comenta uma de minhas crônicas, me presenteia com uma confidência, aparentemente sem notar que só lhe respondo por brevíssimos monossílabos.
Por mais estranho que possa parecer, essa não é uma situação incomum comigo. Não digo que aconteça todos os dias. Ocorre no entanto com uma certa freqüência, o que elimina a idéia de uma simples coincidência.
As hipóteses são várias.
A primeiríssima delas é a de que sou um sujeito distraído. Vivo de tal modo no mundo da lua que me perco de minha realidade e circunstância. Sou mais chegado a outros universos.
Enquanto o comum dos mortais pensa em coisas sólidas e presentes, como a cotação do dólar em queda livre, a gangorra da Bolsa de Valores, a escolha dos candidatos a vereador e a prefeito, mergulho em meditações abissais, tipo o terceiro movimento da Nona Sinfonia. Vai daí que me alheio de tudo e de todos.
Segundíssima hipótese. Tenho um raro talento para esquecer faces, nomes e figuras. Enquanto os seres ajuizados, que pagam impostos, votam de dois em dois anos, vacinam-se contra a gripe, cultivam uma memória privilegiada, eu me dedico a um inelutável olvido. Deleto o leão, as eleições, os contratempos da saúde, em benefício de uma doce desmemória, que se estende às criaturas que me rodeiam.
Terceiríssima – e última – hipótese. As damas que sabem tudo a respeito de mim, e eu nada a respeito delas, são simples mensageiras de minha imaginação. Eu as ouço falar a respeito de mim, e de quem de mim é caro, apenas porque as programei para isso, feito quem digita as teclas de um computador.
Só que nada disso me convence.
Estou mais inclinado a crer que as senhoras e senhoritas que me tratam como a um amigo para sempre reencontrado são em verdade emissárias de um jeito bem antigo de me gostar que eu tinha.
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