sexta-feira, 1 de agosto de 2008



01 de agosto de 2008
N° 15680 - LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


O POEMA DO COTIDIANO

A crônica é um espaço por onde o jornal respira. Já não sei se essa frase é minha, ou se tomei emprestada de alguém. Do que não duvido é de sua profunda verdade.

Houve um atentado? Caiu o ministério? Perpetrou-se um crime hediondo? Armou-se uma catástrofe? A Bolsa entrou em queda livre? De tudo isso nos dão exata notícia as editorias de Mundo, de Política, de Polícia, de Geral, de Economia.

Mas se um pássaro azul pousar aqui em minha sacada, as pessoas só terão conhecimento se eu contar neste canto de página.

Saberão mais: que o pássaro era de uma espécie desconhecida, que me olhou desconfiado, que a princípio recusou, arisco, a água e o alpiste que lhe servi, que depois agradeceu minha gentileza interpretando uma ária inédita, que ao fim voou para céus infinitos, por onde jamais baterá meu inquieto coração.

Sentiram a importância da crônica? Atentados eclodem, ministérios implodem, crimes ocorrem, catástrofes explodem, Bolsas depenam os investidores, mas tudo isso é parte da civilização que escolhemos.

O que é único, e belo e inimitável é a canção do pássaro azul, é o seu vôo por regiões submersas do universo.

Bem diante da minha casa há uma paineira que me dá a honra de sua companhia. Por esta época do ano, desnuda-se, já não é uma árvore, é toda ela uma escultura gris, composta por um artista anônimo.

Carros, ônibus, pessoas passam por sua vizinhança sem percebê-la e no entanto isso não a faz menos imponente nem lhe retira a majestade que o inverno acentua. É meu privilégio notá-la e contar de seu discreto charme aos que lêem este texto.

As andorinhas tinham desaparecido em junho. Temperaturas muito baixas as exilaram para climas mais amenos. Pois hoje tive a alegria de revê-las de volta aos céus destes jardins e parques que me circundam.

O tempo não anda ainda camarada, mas elas revoam sobre os telhados, como para avisar que há um trecho de primavera no horizonte, ainda encoberto pelas nuvens, mas pronto a desvendar-se quando setembro vier.

Já tive andorinhas hóspedes de minha morada. Por sucessivos setembros escolheram um pequeno depósito de quinquilharias, com saída para a rua, para aquecer e alimentar sua prole.

Ninguém deu por elas, salvo este cronista, que ainda não desaprendeu de que pode haver poesia nas coisas mais simples.

Pois a crônica é isso: um retalho do cotidiano sob a forma de um oculto poema.

Ótima sexta-feira, excelente fim de semana para todos nós e que agosto que hoje inicia seja super produtivo e possa realizar senão todos, alguns dos nossos sonhos.

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