sexta-feira, 16 de maio de 2008



16 de maio de 2008
N° 15603 - Liberato Vieira da Cunha


O silêncio dos celulares

Algum dia ainda vou escrever uma tese sobre o silêncio dos celulares. Quando fui comprar meu primeiro, nos longínquos anos 90, o vendedor armou uma pose solene e começou a recitar todas as proezas que o minúsculo aparelho era capaz de aprontar.

Mal o ouvi. Eu estava à procura de um mínimo instrumento que executasse duas tarefas simples: chamasse determinados números e pessoas e recebesse ligações idênticas ou diversas.

É tudo o que continuo a esperar de seus sucessores. Sei hoje que um telefone desses tira fotos, anota endereços, conversa até com computadores, isto sem falar no milagre de mostrar a imagem viva da pessoa para a qual discamos. Mas eu não sonho com nada disso. Toda a minha ambição é passar recados, se possível breves, e ouvir respostas, prontas e curtas.

Sucede no entanto que o meu celular, ou por ser antigo, ou por ser tratado com alguma indiferença, é dado a silêncios. Soa o meu número, atendo, responde uma abissal ausência de ruídos.

Transcorridos uns 20 segundos da mais absoluta incomunicabilidade, emerge um barulhinho: tu, tu, tu, tu. Não é preciso dizer que a ligação foi cortada e não resta, como desde o início, sombra de algarismos na telinha.

Minhas teorias são três.

Primeiro: me chamou alguém para participar que acertei os seis números mágicos da Mega Sena. São os próprios, reais e inconfundíveis, exatos e inimitáveis.

Mas, depois de certa reflexão, o autor da chamada se eclipsa, pois suspeita que provavelmente eu vou desperdiçar o dinheiro em banalidades como livros, viagens, uma tela de Renoir.

Segundo: me ligou alguém para dizer que fui contemplado com uma bolsa de dois anos em Paris. A passagem está carimbada com uma singela informação: Air France, primeira classe. Mas, após segundos de suspense, não vem som nenhum, pois desconfiam que gastarei os dois anos estudando de verdade, sem nem chegar próximo às mesas de Les Deux Magots.

Terceiro: a Gwyneth Paltrow descobre que está apaixonada por mim. Disca, siderada e romântica, mas alguns instantes depois de eu atender, desliga. Um cavalheiro como eu deve ter muitas amadas, e ela não quer ser apenas mais uma. Uma lágrima escorre de seus olhos perfeitos.

Perceberam? Há muitos universos no silêncio dos celulares.

Ótima sexta-feira e um excelente fim de semana para todos nós.

Nenhum comentário: