sábado, 10 de maio de 2008



11 de maio de 2008
N° 15598 - Martha Medeiros


A culpa e a desculpa

Quando pequena, costumava ir à missa, e na hora de confessar eu tirava da cartola alguns pecados só para ter algo pra dizer, porque a verdade é que eu não sentia culpa por nada. Eu inventava culpas! Tem algo mais perverso?

Como é que se permite que uma criança chegue a esse ponto, no que isso ajudará a torná-la uma adulta com a mente sadia? Por isso me afastei da Igreja e hoje rezo do meu jeito, para um Deus que há muito já me absolveu do que não fiz.

O assunto voltou a mim por duas vias. Uma foi através do filme O Sonho de Cassandra, de Woody Allen, uma tragédia em que culpa e inocência se mesclam.

Dois irmãos a caminho do fracasso vendem a alma por dinheiro - o preço é assassinar um homem. Matar alguém, sabemos, é o pecado maior. Mesmo apavorados diante do inusitado da proposta, eles topam e aí o filme vira um thriller sobre a consciência humana. A culpa ganha o tamanho da nossa ingenuidade. Uma coisa não existe sem a outra.

No caso do filme, há um remorso corrosivo que se justifica, existe um fato que está na contramão dos nossos valores e princípios. Mas o que fazer com a culpa existencial que trazemos dentro, cuja única vítima somos nós mesmos?

Lendo o excelente livro dos psiquiatras Paulo Sergio Guedes e Julio Walz, que se chama justamente O Sentimento de Culpa, deparamos com uma quantidade infinita de perdões absurdos que pedimos a toda hora: perdão por estar sofrendo, perdão por amar, perdão por não amar, perdão por estar feliz em meio ao caos.

Praticamente pedimos perdão por existir. Mas o que é isso?? De novo, estamos inventando culpas que não temos.

O livro mostra o quanto é paralisante essa culpa intrínseca que nos impede de tocar a vida de uma forma mais tranqüila e liberta. Nossos sofrimentos psíquicos são criados por nós. Nossa martirização é falta de amizade conosco.

Querer estar no controle de tudo é absolutamente estéril: nossa compreensão do mundo é limitada e as coisas acontecem a nossa revelia. Por que assumir a responsabilidade sobre algo que não temos domínio? Que tenhamos, isso sim, a responsabilidade social de viver com integridade, com amor e com a aceitação do que nos é possível absorver.

Paulo Sergio Guedes, que além de psiquiatra é poeta, tem um verso que define a importância de abandonar nossa onipotência e de aceitar quem somos. Ele diz: "Ser melhor o que se é/ vale mais que ser melhor do que se é".

É tão simples que parece confuso. Mas culpa é basicamente isso: desejar ser alguém que não somos. O nirvana está em aceitar nossa incapacidade de domar sentimentos e entregar-se a eles sem resistência.

Mas vê lá, não vá matar ninguém, que aí é outra história.

Quando Charles Aznavour esteve aqui, ouvi muita gente dizendo que iria ao show "só para levar minha mãe". As mães adoram Aznavour, como adoram Frank Sinatra e qualquer outro intérprete que lhes toque o coração com elegância e canções de amor.

São ícones de uma geração anterior a nossa, mas não significa que não possamos gostar deles também, já que não são antigos, e sim clássicos - e classudos, coisa rara hoje em dia.

Por exemplo, se Burt Bacharach viesse tocar em Porto Alegre, eu levaria minha mãe e, caso ela tivesse o azar de estar em férias no Taiti, eu iria sozinha, levaria a mim mesma feliz da vida, sem precisar arranjar nenhuma desculpa.

Bacharach completará 80 anos amanhã, ou seja, metade dos meus leitores nunca ouviu falar dele, mas eu tive a sorte de ser de um tempo (nem tão remoto assim) em que não existia "música para criança" - os pais tocavam pros filhos aquilo que eles próprios ouviam, no único aparelho de som da casa, então fui praticamente ninada por Janis Joplin, Astor Piazzolla, Beatles e muito Burt Bacharach. Só o nome dele já invocava respeito.

E que homem lindo. Bacharach tinha um charme casual, era o contrário do engomadinho. Há um clipe de 1971 em que ele canta Close to You com Barbra Streisand e ela quase derrete diante do seu olhar. Acho que foi nesse dia que ficou definitivamente estrábica. Eu ficaria.

Burt Bacharach é compositor. Nos anos 60 e 70, emplacou um sucesso atrás do outro, gravados por nomes como Aretha Franklin, Tom Jones e especialmente Dionne Warwick. Foi casado quatro vezes, sendo que sua esposa mais famosa foi a atriz Angie Dickinson.

Dez anos atrás, gravou um álbum com Elvis Costello e agora, sinceramente, não sei o que mais anda fazendo, além de 80 anos.

Mas não precisaria fazer mais nada, a não ser um show de despedida em Porto Alegre, como fez Aznavour.

Fica aqui a idéia para os promotores de eventos para o Dia das Mães de 2009. Se ele vier, prometo levar a minha, que merece essas finezas musicais. É o que desejo, aliás, a todas as mães: longa vida e momentos de puro êxtase, que sempre foram os melhores presentes do mundo.

Have a happy mothers Day

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