quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008



28 de fevereiro de 2008
N° 15524 - Nilson Souza


Marias-vitórias

A humanidade se enternece quando um bebê sobrevive ao abandono, como aconteceu esta semana com a menina encontrada numa lixeira de São Gabriel - ironicamente a cidade gaúcha que tem o nome do anjo da Anunciação.

Mas esse tipo de ocorrência se tornou tão comum em nosso país, que o Congresso já analisa uma proposta de lei para possibilitar que mães de filhos indesejados façam seus partos nos hospitais sem se identificar, podendo deixá-los abrigados e cuidados em vez de descartá-los na rua.

A idéia ressuscita a medieval roda dos enjeitados, sistema criado pela Igreja no século 12 para o recolhimento anônimo de crianças que os pais não podiam ou não queriam criar.

Apesar de bem-intencionada, a proposta também provoca resistências, especialmente de quem acha que a nova legislação poderá adiar para as calendas gregas a necessária discussão sobre planejamento familiar em nosso país.

Não quero entrar neste debate, pois não me reconheço habilitado para tanto. O que desejo abordar neste texto despretensioso é a curiosidade do nome escolhido pelas pessoas que recolhem e abrigam bebês abandonados, especialmente para as meninas.

Quase sempre passam a ser chamadas de Vitória - homenagem óbvia ao triunfo sobre a improbabilidade de sobrevivência.

O filhote do homem, como sabemos, vem ao mundo desprovido de resguardos naturais. Se não for alimentado, morre de fome e sede. Se não for coberto, morre de frio. Se não for protegido dos perigos e das doenças, perece inexoravelmente.

E só cresce sadio se continuar recebendo assistência durante a infância. Precisa de alguém que lhe guie os primeiros passos, precisa de alguém que lhe indique os caminhos do futuro, precisa - para se orientar na adolescência - de amor e atenção permanentes.

Sem apoio, os filhotes humanos sequer conseguem atravessar saudáveis de corpo e alma a areia movediça da juventude, que também é cheia de armadilhas e abandonos.

As marias-vitórias, infelizmente, são filhas de marias-derrotas.

Não conheço o texto da nova lei, mas ela será bem-vinda se contribuir para salvar bebês e aliviar a culpa das mães desesperadas ou perturbadas que se desfazem das suas crias, sabe-se lá com que sofrimento.

De minha parte, se tivesse poderes para editar uma norma a respeito deste complexo assunto, redigiria apenas um artigo de quatro palavras: "Nenhuma criança será abandonada". E o complementaria com um inciso mais sintético ainda: "Nunca".

Uma excelente quinta-feira, esta que com certeza, estará cheia de torcedores pelas ruas, com as camisetas de seus times , comemorando as vitórias de goleada ontem a noite.

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