quinta-feira, 29 de novembro de 2007



29 de novembro de 2007
N° 15433 -Nilson Souza


Garranchite

De boas intenções, os cestos de lixo estão cheios. Outro dia, o governador de Brasília resolveu acabar com o gerúndio por decreto. Virou alvo de gozação nacional. Agora um dos nossos parlamentares apresentou um projeto para restringir os garranchos dos médicos nas receitas.

A intenção é nobre: evitar confusões na hora da compra dos remédios - reclamação antiga dos farmacêuticos, que atribuem muitos casos de intoxicação aos equívocos com os nomes dos medicamentos.

Com saúde não se brinca. Mas os médicos reagiram mal à proposta do ilustre deputado. Mesmo vivendo no mundo digital, querem continuar tendo (olha o gerundismo aí!) o direito de rabiscar letras cursivas nos seus receituários - alguns porque acham mais prático, outros porque atendem em locais precários, onde caneta e papel já é luxo.

Espero que não me acusem de charlatanismo, mas vou sugerir um remédio para este mal: o velho e eficiente caderno de caligrafia.

Senhores doutores, por favor, leiam a bula.

Nome genérico: Corretivol 500 ou 750 repetições. Composição: um caderno pedagógico com 40 folhas pautadas. Informação ao paciente: este tratamento é indicado aos portadores de garranchite, que sofrem de desleixo ortográfico (não confundir com dislexia). Informação técnica: o Corretivol só faz efeito quando praticado diariamente. Indicações:

tratamento de deformações de grafia presumidas ou causadas por bactérias insensíveis às conseqüências da ilegibilidade. Contra-indicações: hipersensibilidade nos dedos, calos no pai-de-todos e tendinites crônicas.

Advertência: não se recomenda o uso deste medicamento antes de cirurgias delicadas. Reações adversas: a maioria das reações adversas observadas foram de intensidade moderada, não exigindo interrupção do tratamento.

Posologia e modo de administração: pacientes graves devem usar o Corretivol cinco vezes ao dia, preenchendo no mínimo uma página por dose. A duração do tratamento depende da resposta clínica e emocional do paciente. Venda sem prescrição médica.

Apesar da má fama, médicos escrevem bem. Alguns podem não ter boa letra, mas muitos profissionais dessa área poderiam dar receitas de literatura (especialmente de crônica) a jornalistas e escritores.

Por isso, acredito que a maioria vai receber esta sugestão de tratamento com espírito esportivo. Se alguém se sentir ofendido, porém, por favor me escreva. De preferência, com letra de fôrma.

Uma ótima quinta-feira para todos nós ainda ensolarada por aqui.

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