quarta-feira, 28 de novembro de 2007



28 de novembro de 2007
N° 15432 - Martha Medeiros


Entrelinhas

Quando se lança um novo livro, responde-se a entrevistas aqui e ali, e é normal que perguntem qual o aspecto mais positivo da profissão.

Se o assunto é relacionado à crônica, desfio logo minha lista de vantagens: são várias as alegrias de se escrever em jornal. Mas, quando me perguntam as desvantagens, empaco. São poucas. Pensando bem, uma só.

É quando as pessoas tentam adivinhar o que você está sentindo, o que você está vivendo, o que está acontecendo com você, afinal. Se o lado A dessa superexposição é o carinho que a gente recebe dos leitores, o lado B é quando interpretam coisas que não foram ditas.

De certa forma, faz parte do jogo. Eu também, ao ler um colunista, posso até intuir que ele está pensando em trocar de cidade, ou que brigou com a mulher, ou que está mal de dinheiro. Só que eu não mando e-mails para consolá-lo.

Outro dia recebi um e-mail enorme de uma leitora que me fez um diagnóstico preciso e indiscutível: eu estava com depressão.

Respondi agradecendo a preocupação, mas que ela ficasse aliviada, estou vivendo a melhor fase da minha vida.

Ela me pediu então para enfrentar a realidade, não mascarar minha dor. Calei. Quem melhor do que ela pra saber?

Passou uma semana e recebi um e-mail de uma outra leitora que me perguntava se eu havia brigado com meu namorado.

Não, não brigamos, está tudo ótimo. "Bem capaz! Admita. Brigaram, claro. Pode se abrir comigo." Melhor não contrariar, deixei por isso mesmo.

E um cara me veio com esta uma vez: "Por que você tem tanto ódio dos homens?" Fiquei chocada. Eu? Euzinha? Mas de onde tiram essas idéias?

Tiram das entrelinhas, este espaço onde nada está escrito, mas que todo mundo lê. O comentário implícito que nem sempre foi feito, mas que já está sendo estudado em salas de aula.

Esta zona nebulosa que atiça a imaginação dos mais criativos. O silêncio que fala o que o leitor escolheu ouvir. Um vazio que ninguém assina, e por isso mesmo não tem dono: qualquer um pode ser o autor das entrelinhas.

E não raro as entrelinhas do leitor anônimo são muito melhores do que as nossas linhas. A gente se esforça para dar uma opinião e o leitor, durante a leitura, já vai elaborando uma contra-argumentação bombástica.

Ao chegar ao final do texto, em quem ele vai acreditar, em nós ou nele mesmo? Que pergunta.

Pensando bem, escrever crônicas só tem vantagens, desde que a gente não se importe de concorrer com as entrelinhas que alguns leitores escrevem junto, mas pelas quais não se responsabilizam, ao contrário: tentam nos convencer de que é tudo coisa nossa.

Depois não querem que a gente entre em depressão.

Excelente Dia Internacional do sofá - esta quarta-feira, ainda ensolarada por aqui.

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