sábado, 23 de novembro de 2019



23 DE NOVEMBRO DE 2019

CARPINEJAR

O pesadíssimo molho de chaves


Identifico quando minha esposa está chegando. Nem é pelo som de seus passos, ruído andaluz do salto. É pelo molho de chaves batendo na porta com os seus galhos de metal. Um molho gigantesco, como se morássemos em um castelo ou um hotel antigo.


São mais de 20 chaves. Acho que ela só vai adicionando as cópias da nova casa e acumulando as antigas. Não se desfez de nenhum endereço. Não duvido que ali não conste todos os apartamentos que já morou, todos os dentes de todas as fechaduras de sua vida.

Temos três chaves para o nosso lar, as outras não faço nem ideia do que sejam, de onde são, qual o seu passado. Se ela pudesse, penduraria junto também a sombrinha e o crachá do emprego.

Não é um molho, mas um cinto de carcereiro. O curioso é que escolheu um chaveiro espalhafatoso, dobrando o peso do objeto, com uma tripa infinita de lembranças fofas de viagens, como miniatura da cabine telefônica de Londres, de reverência a Minas Gerais, seu Estado natal (esculturas de Inhotim e Ouro Preto) e de proteção religiosa (santinhos de Santo Antônio e São Francisco), além dos controles das garagens.

Uma das possibilidades é que ela realmente quer formar algo chamativo para não perder de vista. Seria uma estratégia para combater esquecimentos. Mesmo não sendo prático para pôr no bolso, não há como não localizar rapidamente no fundo da bolsa ou no aparador.

De efeito colateral, em caso de difícil extravio, perde inteiramente os seus acessos, até o codificado do veículo.

Não sei se é um temperamento feminino colecionar as chaves num só lugar. Minha mãe era assim, minha irmã igual. Pode ser que seja um costume de quem muda de ideia e improvisa, e quer dispor dos múltiplos cenários da rotina num único conjunto. Vá que deseje buscar um documento no trabalho de repente.

Mulher pensa em tudo, e não pretende correr riscos de depender de algo que não tenha nas mãos. Previne-se de futuros arrependimentos.

A tendência barroca feminina faz sentido para quem está naturalizada a usar colares, pulseiras, brincos e anéis. O molho é apenas parte da joalheria.

Eu já separo os meus destinos à parte: trabalho, casa, carro. Jamais misturo e apenas trago comigo o que irei precisar. Mas sinto que não sou tão romântico ao abrir a porta. Ninguém percebe quando eu entro. Sou obrigado a gritar.

CARPINEJAR

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