sábado, 25 de maio de 2019


25 DE MAIO DE 2019

CARPINEJAR

Competição com o vizinho

Eu e o meu vizinho decidimos fazer uma competição de flores na varanda. Não combinamos nada, não apostamos, não acertamos as regras. Ele começou a frequentar floriculturas e comprar vasos de plantas, eu não deixei por menos: desenvolvi uma cisma em arborizar a frente de meu apartamento. Larguei a monocultura da samambaia pela diversidade exótica do jardim. Queria superá-lo, até porque ele havia virado referência para a minha esposa:

- Um dia seremos que nem ele! E eu respondia com ambição: - Que nem não, melhores!

Fui me especializando em plantas resistentes ao sol, virei um botânico nas horas vagas: cebola-da-mata, crássula, iúca, lança-se-são-Jorge, bulbine, moreia.

Estabeleci uma disciplina de irrigação, passei a adquirir fertilizantes e adubo para apressar os resultados. Não permitia que ninguém da família me ajudasse. Havia uma dinâmica rigorosa para regar - eu não brincava em serviço.

A princípio, a performance me surpreendeu. Eu me sentia um Burle Marx. Paisagismo estava no meu sangue, e desconhecia o meu dom. Arbustos, folhas, pétalas e cores repaginaram o nosso cantinho de chimarrão. Lembrava um quintal aéreo, um pedaço do interior no terceiro andar.

O vizinho piscava para mim, alheio à competição que eu inventava sem comunicá-lo. Talvez nutrisse contentamento pela sua influência do bem, orgulho que a sua iniciativa se estendeu para a porta ao lado e embelezou o edifício, mas eu não o via com bons olhos, identificava apenas inveja e soberba da parte dele. Afinal, enxergamos unicamente aquilo que temos em nós.

Todo investimento, que não foi pouco, quase o valor de uma reforma, vingava. Era o que eu achava. Qualquer varanda se mantém bonita nos primeiros meses. Depois é que o novo ambiente passa a fazer efeito nas espécimes.

Minhas plantinhas foram morrendo sem dó nem piedade, como uma maldição. Tornou-se lentamente um vale das sombras. Por mais que implantasse mudanças, não remedia a tristeza e a penúria. Os galhos secavam, varria montinhos cada vez maiores na área. Deduzi a invasão de alguma praga, porém não encontrei nenhum sinal de formigas e insetos. Perdi o concurso imaginário. Restava-me ser educado e cumprimentar o meu oponente pela vitória. Apertei a campainha, ele abriu, ofereceu café, eu entrei.

Permaneci um longo tempo em silêncio, sem saber como driblar o orgulho. No último minuto, antes de me despedir, a minha curiosidade falou por mim:

- Qual é o segredo das plantas?

Ele riu, e logo completou: - Talvez você não acredite, eu converso com as flores, conto toda a minha vida para elas. Confidências germinam. Só que não invente de dançar, senão elas morrem mais rápido.

Gargalhamos juntos.

CARPINEJAR

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