sábado, 27 de outubro de 2018


27 DE OUTUBRO DE 2018
PAULO GLEICH

ANTÍDOTO À MELANCOLIA


Na noite deste domingo, salvo algum imprevisto, conheceremos o próximo presidente eleito do Brasil. Independentemente do resultado, antevejo que o clima não será de alegria, nem em boa parte daqueles que votaram no vencedor. O que estas eleições expuseram a olho nu - e em carne viva - não é apenas uma polarização, comum em processos eleitorais, mas uma fissura crescente que ameaça as bases do convívio entre as pessoas.

Isso se fez notar não só nas tantas brigas em redes sociais e entre amigos e familiares, mas no próprio clima que se sente nas ruas. No último sábado, belo dia de sol, uma churrascaria sempre cheia ao meio-dia estava com metade das mesas vazias. O mesmo foi relatado em relação a bares e outros locais de convívio: tem sido difícil se juntar, comemorar, confraternizar. A desconfiança e a animosidade no ar transcendem o período eleitoral.

Impera um clima que convoca ao recolhimento melancólico, desesperançoso em relação à possibilidade de tempos melhores. Muitos amigos e conhecidos evocaram um filme de Lars Von Trier, Melancolia, no qual duas irmãs aguardam a chegada de um planeta que se chocará com a Terra e dará fim à vida, sem qualquer possibilidade de outro desfecho. É como se a piada que circulava tempos atrás, "Vem, meteoro!", estivesse próxima de se concretizar.

Tudo indica que os próximos tempos não serão nada auspiciosos em nosso país, que ainda lidaremos por um bom tempo com os efeitos do que tem acontecido ao longo dos últimos anos. O resultado de uma eleição não cura a fratura que se expôs, e será preciso muito trabalho para reatar consensos mínimos que possibilitam a vida em conjunto - seja nas relações afetivas, seja no laço social.

Neste momento, um grande desafio que se coloca é resistir à tentação de sucumbir à melancolia, que nos empurra à indiferença com o que acontece e com nossas próprias vidas. Ela embota não só a alegria como o pensamento, por colocar no horizonte um desfecho catastrófico que retira de qualquer ato a possibilidade de significado - como o sujeito depressivo que diz "Se no final vou morrer, que diferença faz?".

Um dos maiores antídotos à entrega à melancolia é estar com quem gostamos. Não para acirrar o confronto entre "nós" e "eles", mas para alimentar aquilo que nos mantém vivos e desejosos de viver: o amor, mas também o trabalho criativo, que sempre tem em seu horizonte encontrar os outros. Em Os Invisíveis, belíssimo filme alemão que acompanha a vida de quatro judeus na Berlim nazista, são esses laços que possibilitam sua sobrevivência em meio ao terror.

Na contramão da atmosfera que chamava a ficar sozinho em casa, no fim de semana passado estive com vários de meus "antídotos". Organizei com duas amigas um encontro para a Feira do Livro sobre sonhos e criação, temas tão importantes nesse momento. Fui prestigiar um amigo no lançamento de seu livro, Não Existe Mais Dia Seguinte, que, apesar do título, fala em suas crônicas da urgente importância dos afetos. Planejei com uma amiga uma festa conjunta de aniversário, mesmo com nosso desânimo. Fui à comemoração de um ano da filha de um casal de amigos, que com sua alegria nos lembrou de cuidarmos da nossa. Terminei a noite de domingo ao lado de um grande amor.

Freud escreveu sobre duas forças que organizam nossa vida, as pulsões de vida e de morte, eros e tanatos. O desafio de cada um, mais urgente do que nunca, é não deixar que se apague a chama de eros.
PAULO GLEICH

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