sábado, 10 de junho de 2017



10 de junho de 2017 | N° 18868 
L.F. VERISSIMO

Cigarreira


Ainda existe cigarro de chocolate? Quando eu era criança, não lembro mais em que século, compravam-se cigarros iguais aos de verdade, em maços, com chocolate dentro em vez de fumo. Eles também serviam para a gente brincar de adulto. 

Antes de comê-los, “fumávamos” os cigarros, gesticulando com eles como gente grande, dizendo coisas pseudoimportantes e tragando e expelindo fumaça imaginária. Nada era mais invejável nos adultos do que a liberdade para fumar e sonhávamos com o dia em que poderíamos assumir todas as poses de fumantes, mas fumando de verdade.

Tinha um ritual de fumantes que me fascinava. O homem tirava uma cigarreira – lembra cigarreira? – do bolso de dentro do paletó, abria a cigarreira, escolhia um dos cigarros enfileirados, fechava a cigarreira com um sofisticado clic, depois batia com a ponta do cigarro no tampo da cigarreira, antes de guardá-la, colocar a ponta compactada do cigarro nos lábios e buscar o isqueiro em outro bolso do paletó. No dia em que eu pudesse fazer aquele pequeno teatro com naturalidade, eu seria um homem e, mais do que isso, um homem autossuficiente e elegante, um homem de dar inveja.

Outro gesto muito adulto era, segurando o cigarro entre o dedo indicador e o médio, usar o anular e o polegar para catar um fragmento de fumo na língua. Este eu imitava depois de cada tragada nos meus cigarros de chocolate.

Um dia, decidi que não ia esperar crescer para ficar adulto. Roubei um cigarro da minha mãe, peguei fósforos e fui para o fundo do quintal. Bati com a ponta do cigarro na caixa de fósforos. Acendi o cigarro. Traguei. 

Me sentia um ator de cinema (naquele tempo se fumava muito nos filmes), um Tyrone Power depois de acender o da moça, um Humphrey Bogart depois da briga. Mas a pose não durou muito. Foi interrompida por um acesso de tosse. Era horrível, encher a boca de fumaça daquele jeito. Nunca mais botei um cigarro na boca. Nem de chocolate.

Mas sei não. Às vezes, penso que faltou uma cigarreira na minha vida.

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