sábado, 9 de março de 2013



09 de março de 2013 | N° 17366
CLÁUDIA LAITANO

Um homem fora do lugar

Somos o país da gambiarra ideológica. Quem sacou a inclinação brasileira para o “gato” de ideias foi o crítico literário Roberto Schwarz. Escrevendo sobre o Brasil do século 19, Schwarz mostrou como o país da escravidão e da desigualdade extrema estava aquém das elegantes ideologias liberais que, assim como os vestidos das senhoras mais exigentes da época, costumavam ser importadas da Europa.

O crítico chega a usar a expressão “comédia ideológica” para descrever a tentativa de enfiar um Brasil atrasado, analfabeto e escravagista na fatiota desconfortável do liberalismo político e econômico – que, obviamente, pressupunha conquistas básicas como liberdade de trabalho, igualdade perante a lei e universalismo.

O teste da realidade e da coerência, escreve Schwarz, não parecia necessário para os senhores que defendiam a liberdade em praça pública e os escravos dentro de casa. Eram ideias fora do lugar. Por fora bela viola, por dentro pão bolorento.

Quase 40 anos depois da publicação do livro Ao Vencedor as Batatas (1977), que inclui o clássico ensaio Ideias Fora do Lugar, e mais de 120 depois da abolição da escravatura, o Brasil continua ensinando ao mundo como adaptar o céu das boas intenções ao pedregoso purgatório da realidade.

Pega-se uma ideia lustrosa como a defesa dos direitos humanos, baseada no princípio de que todos os homens nascem iguais em dignidade e em direitos e devem agir uns para os outros em espírito de fraternidade, e cria-se para ela uma comissão no Congresso Nacional – o que, imagina-se, deve fazer bonito em relatórios internacionais e em discursos de campanha nos rincões mais civilizados.

Criada a comissão, algum espírito suíno-pragmático percebe que, por mais que a ideia lustrosa pegue bem em determinados ambientes, não é tão relevante assim como moeda política. Abandona-se a comissão, então, não apenas à própria irrelevância, o que já seria ruim o suficiente, mas à porta daqueles a quem, desde o princípio, a comissão contradiz em essência.

Como se a Princesa Isabel entregasse a redação da Lei Áurea a um senhor de escravos. Ou o próximo conclave chegasse à conclusão de que Richard Dawkins, afinal, até que daria um bom papa.

Graças ao YouTube, qualquer um pode iniciar-se na vida e na obra do deputado Marco Feliciano (PSC-SP), novo presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, que responde a processos por estelionato e homofobia. Aviso, porém, que as pregações do pastor presidente da Igreja Catedral do Avivamento não são recomendadas para os fracos de estômago.

Assim como os relatórios da ONG Todos pela Educação divulgados esta semana, que revelaram quedas em índices de aprendizado já suficientemente vergonhosos, a escolha para um fórum de direitos humanos de um homem que não apenas pensa torto, mas tem coragem de defender ideias discriminatórias em público mostra que, no Brasil, o que está ruim sempre pode tornar-se infame.

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