sábado, 10 de março de 2012



10 de março de 2012 | N° 17004
NILSON SOUZA


Jonathan e Platero

Passou esta semana pelo Estado um homem que viaja a pé pelas três Américas, acompanhado de um burro. Poderiam ser personagens de um filme de aventura ou ficção, mas são criaturas reais e do nosso tempo. O humano, o norte-americano Jonathan Dunham, é bioquímico, tem 37 anos e já percorreu mais de 18 mil quilômetros de sua insólita jornada, que deverá acabar no ano que vem, no Chile.

Ele saiu de Oregon, nos Estados Unidos, aprendeu espanhol no México e está na estrada desde 2002. O muar, que o caminhante ganhou de presente durante a temporada mexicana, chama-se Judas – mas poderia chamar-se Platero, célebre criação do poeta espanhol Juan Ramón Jiménez, Prêmio Nobel de Literatura em 1956.

Li Platero y Yo na década de 80, quando frequentava um curso de espanhol. Foi encanto à primeira vista com aquele poema em prosa escrito com extrema sensibilidade, tendo como pano de fundo o diálogo reflexivo entre o homem e seu burro.

É um diálogo em que só o homem fala, mas o seu relato indica que o animal não apenas ouve, como também entende o seu dono e compartilha sentimentos com ele. Claro que tudo sai da imaginação extraordinária de Jiménez. Observem só neste trecho do livro a força narrativa do escritor:

“Olha, Platero; hoje, o canário das crianças amanheceu morto em sua gaiola de prata.

É verdade que o coitado já estava muito velho... O último inverno, bem te lembras, ele passou silencioso, com a cabeça escondida sob as penas. E, ao começar esta primavera, quando o sol transformava em jardim a casa aberta e se abriram as melhores rosas do pátio, ele também quis engalanar a vida nova e cantou: mas sua voz era quebradiça e asmática, como a voz de uma flauta rachada.

O menino maior, que cuidava dele, ao vê-lo hirto no fundo da gaiola, apressou-se em dizer, choroso: ‘Pois não lhe faltou nada; nem comida nem água!’

Não, não lhe faltou nada, Platero. Morreu porque sim – diria Campoamor, outro canário velho...Platero, haverá um paraíso dos pássaros?”

Como o personagem de Jiménez, Jonathan também conversa com seu burrico e reconhece nele um instinto infalível para discernir entre pessoas confiáveis e inconfiáveis.

No seu blog de aventureiro moderno, o americano diz que caminha em busca de um sentido para a vida. Talvez já o tenha encontrado. Como diz outro poeta espanhol, caminante, no hay camino: se hace camino al andar.

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