terça-feira, 17 de maio de 2011



17 de maio de 2011 | N° 16702
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Um simples prazer

A ideia de música está sempre associada em minha memória à de meus pais. Ambos tinham uma enorme discoteca que cultivavam a capricho.

Era rara a semana em que meu pai chegava em casa sem um disco adquirido na Casa Victor ou na Casa Coates. As escolhas eram múltiplas. Tanto podia recair em uma sinfonia de Beethoven quanto num samba bem brasileiro.

Creio que fomos uma das primeiras famílias de Porto Alegre a dispor de discos long play, o cúmulo da modernidade para a época. Fomos também uma das primeiras a ter uma eletrola. Era um móvel elegante, ornamento da sala de estar, dotada de rádio, toca-discos e alto-falantes.

Mas nossa grande riqueza era a discoteca, que podia contar com obras de um Mozart, ou canções de um Francisco Alves ou de uma Carmen Miranda.

Num tempo em que a televisão era ainda uma miragem distante, perdida no futuro do indicativo, não era incomum que as pessoas se reunissem com seus amigos apenas para ouvir discos. As músicas eram acompanhadas com atenção, num silêncio respeitoso, como se todos estivessem numa sala de concertos.

As melodias eram também uma espécie de terapia.

Uma das mais belas e encantadoras recordações de minha infância é rever minha mãe, na penumbra da sala de visitas, ouvindo, silente, longe das tensões diárias de dona de casa, as chansons de charme de Jacqueline François.

Mas havia mais. Em minha adolescência, as reuniões dançantes eram embaladas pelo som da eletrola, dos elepês às criações em 78 rotações por minuto.

Depois se passaram mudanças de casa, empréstimos nunca resgatados, pequenos acidentes domésticos. Hoje conservo uma quinta parte de minha discoteca original.

Mesmo assim, é um legado precioso.

A cada vez que ouço um dos álbuns antigos é como se estivesse revisitando uma época inesquecível. Aquela em que as pessoas se reuniam pelo simples prazer de escutar discos.

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