quarta-feira, 11 de maio de 2011



11 de maio de 2011 | N° 16697
MARTHA MEDEIROS


Barulhos urbanos

Creio que eram 6 h. Reparei pelas frestas da cortina que o dia estava amanhecendo. O barulho era de tontear, algo de muito grave deveria ter acontecido para aquele helicóptero ficar parado bem em cima do meu edifício. Mais que isso: ele parecia estar ao lado da minha janela. Aos poucos fui voltando do sono e disse a mim mesma: ele não está tão perto assim, aconteceu algum assalto a banco, estão à procura de fugitivos.

Mas o helicóptero, insistente, não voava para longe, parecia resoluto em não se deslocar. Desisti de voltar a dormir. Levantei, fui até a sala, abri a porta de correr que dá para a sacada e olhei para o céu.

Nada. Então, olhei para baixo e ali estava o helicóptero, estacionado num terreno até então descampado, ali diante dos meus olhos o helicóptero que não era helicóptero, e sim um equipamento de construção civil ligado na velocidade máxima, um trambolho que fazia um barulho idêntico ao de um helicóptero, e que continuaria a me servir de despertador nas manhãs seguintes.

Se você é morador de uma grande cidade, também deve ter um helicóptero matinal entrando pelos ouvidos, ou uma bateria de escola de samba, ou uma turbina de avião, ou qualquer coisa excessivamente barulhenta que seja oriunda do que se chama obra. Metrópoles estão em constante construção. Aqui onde moro, há essa obra bem em frente ao meu prédio, e outra bem ao lado, e duas logo atrás. Silêncio? Estamos em falta.

Não há como reclamar para o bispo. Obras são efeitos colaterais do progresso. E o barulho faz parte do pacote, não se ergue um edifício aos sussurros. Então, como tenho escritório em casa, trabalho o dia inteiro com essa trilha sonora pouco romântica.

De manhã até o final da tarde, escrevo, escrevo, escrevo, e não ouço o toque que meus dedos fazem sobre o teclado, ele é abafado pelos motores de equipamentos pesados, caminhões despejando cimento, batidas de estacas, uma orquestra em permanente ensaio, e só resta adaptar-me, um dia o edifício onde moro também foi um esqueleto que não foi posto em pé quietinho.

Reconheço que sou uma escritora de apartamento, dito com o mesmo tom pejorativo que classificamos crianças de apartamento. Deveríamos estar cercados por jardins, margens de rio, praias abertas, mas vivemos confinados entre quatro paredes que de certa forma aleijam a inspiração.

Escrever, lógico, me oferece várias oportunidades de fuga. Estou onde estou, fisicamente, mas também não estou: invento meu próprio lago, pátio, horizonte. Até que volto a ser atingida pela consciência do inevitável: não é o barulho do mar que escuto, nem o das folhas caindo neste início de outono, e sim o de betoneiras, perfuratrizes, compactadores, rolos compressores.

De poético, me restou apenas a chuva. Quando chove, a obra para. Quando chove, o helicóptero vai embora. Quando chove, o silêncio me pisca o olho: “Aproveita a trégua e me escuta”.

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