sábado, 5 de fevereiro de 2011


Ruth de Aquino

Um Congresso “transparente

Renato Cozzolino é um dos 41 deputados suplentes que fizeram um sacrifício pela nação. No calorão de janeiro, em recesso parlamentar, esses políticos abnegados, em vez de sair de férias com a família, substituíram titulares na Câmara.

Num mês de mandato-tampão, sem o Legislativo funcionar, essa turma conseguiu gastar R$ 298 mil com “consultorias, trabalhos técnicos e locação de veículos”. Investigamos por que Cozzolino, do PDT do Rio de Janeiro, pagou R$ 20 mil de sua cota a uma empresa de contabilidade.

O repórter Leopoldo Mateus, de ÉPOCA, foi ao escritório dessa empresa, a Star Serviço Técnico Contábil, citada no tópico “Transparência” do site da Câmara. O endereço fica no centro movimentado de Duque de Caxias, município da Baixada Fluminense. É um prédio verde de quatro andares, em cima de várias lojas. Quando você sai do elevador e vira para a direita, dá de cara com um aviso: “Escritório do Dr. Jairo. Entre sem bater”.

Há uma porta branca, com barras de ferro. Pilhas de processos em cima das mesas, pintura desbotada... e a moça grita para dentro: “Pai, tem um rapaz querendo falar com você”. Questionado sobre o serviço prestado a Cozzolino, Jairo de Souza Vieira afirmou: “Qualquer grande escritório no Rio cobraria R$ 150 mil pelo serviço que fiz para o Cozzolino.

Vou cobrar quanto para fazer um estudo desses? Dois, três mil reais? Não. Eu vou cobrar R$ 20 mil. Não trabalho de graça. Não fico dando recibo frio para ninguém, não. Fiz um estudo de umas quatro ou cinco laudas sobre o Estatuto da Mulher. O Cozzolino disse que ia fazer uma apresentação num programa de rádio”. Dr. Jairo não quis mandar as laudas por e-mail: “É sigilo profissional”.

Cozzolino tinha o direito de gastar em janeiro uma verba extra de R$ 26.800. Gastou R$ 21.776,77. O grosso foi para o Dr. Jairo. “Ele fez num mês um reestudo de minha vida política, que vou encaminhar a alguns parlamentares no momento oportuno”, disse Cozzolino ao telefone. O deputado, suplente de Brizola Neto, se disse orgulhoso de sua atuação como parlamentar por ter questionado os ingredientes da Coca-Cola: “Quem conhece alguém viciado em Guaraná?”.

Acreditamos em duendes, por isso achamos as despesas de Cozzolino normais. Não sabemos como os outros 40 deputados suplentes gastaram em janeiro a verba a que tinham direito, fora o salário de R$ 16.500 (agora catapultado para R$ 26.700). Eles apresentaram nota.

Deveríamos investigar. Afinal, o dinheiro é nosso.

Acreditamos em duendes, por isso achamos as despesas de deputados como Cozzolino normais

“Não temos lições de transparência a receber”, disse José Sarney em defesa do Congresso. O discurso do eternizado presidente do Senado soou auspicioso: “Nosso trabalho exige jamais aceitar qualquer arranhão nos procedimentos éticos”. Sarney disse que sua “honorabilidade” jamais esteve em questão e afirmou estar fazendo um “sacrifício”.

Em 2009, foram 11 os pedidos de cassação de seu mandato pelo escândalo dos “atos secretos”. Embora combalido pela idade, é o mesmo Sarney que esteve do lado da ditadura, como governador e senador pelo Maranhão, quando a Casa foi fechada, entre 1968 e 1977.

O Congresso de Dilma convive com anomalias inaceitáveis para um governo que precisa cortar gastos. No Senado, há 10 mil funcionários para 81 senadores. Na Câmara, a prioridade é erguer um anexo de R$ 130 milhões para abrigar mais parlamentares.

Do total de 513 deputados federais, 59 são réus em ações penais. E o xerife da Câmara, Dudu da Fonte, encarregado de garantir o decoro, é discípulo de Severino Cavalcanti – aquele que renunciou em 2005 para não ser cassado por causa de um esquema de propina. “Dudu aprendeu todas as lições que passei”, disse Severino.

Deve ser difícil mesmo aprender a ser deputado. A Câmara preparou uma aula para os 224 novatos com dicas sobre como votar, preparar projeto e se comportar no plenário. Romário faltou à aula. Depois, na reunião da bancada do PSB, cochilou.

Tiririca reapareceu depois de uma operação na vesícula: “Vamos aprender com os veteranos. Se Deus quiser”. Ele vai parar de ouvir a gozação popular: “E o palhaço o que é? É ladrão de mulher”. Aprenderá a ser mágico ou acrobata.

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