domingo, 9 de janeiro de 2011


DAMIÁN TABAROVSKY - tradução PAULO MIGLIACCI

O livro do ano

Mistérios do verão portenho

NUNCA VOTEI em candidato que tivesse vencido uma eleição, e nem em um livro que tenha conquistado o primeiro lugar nas pesquisas que jornais costumam fazer nos finais de ano. Ou mesmo o segundo, ou o terceiro. Quem pode dizer? Tendo em conta os habituais vencedores de votações -políticas e literárias-, talvez eu deva considerar de modo positivo minhas derrotas sistemáticas. Em todo caso, sei perfeitamente quais são os melhores livros da literatura argentina em 2010, se é caso de fazer um balanço.

Um deles é "Qué Hacer", de Pablo Katchadjian. Nascido em 1977, já havia publicado dois romances, divertidos e de tom experimental, interessantes, mas que não deixavam prever o salto em direção a uma obra de arte.

Porque é isso que "Qué Hacer" significa: um romance que se movimenta com perfeição na herança do nonsense, na tradição de [Raymond] Queneau, no jogo de palavras, no humor radical, na engenhosidade. O livro de Katchadjian é um desses raros romances que satisfazem ao leitor mais inteligente.

OUTRO LIVRO DO ANO
Conheço Juan José Becerra -nascido em 1965 e apenas dois anos mais velho que eu -há pelo menos uma década e meia. Trata-se de uma das pessoas mais inteligentes com quem já tive contato na vida. Evidentemente, eu havia lido seus três romances anteriores e diversos de seus livros de ensaios.

Todos me interessaram muito, e escrevi diversas vezes sobre ele, mas sempre tive a sensação de que os livros não atingiam a estatura intelectual do autor, de que ficavam abaixo de Becerra.

Até que, dois meses atrás, apareceu "Toda La Verdad", um romance que mudou a equação: Becerra por fim escreveu um dos livros-chave da literatura argentina contemporânea. A história de um engenheiro milionário que um dia abandona tudo e vai a pé para o campo, onde vive por muito tempo na solidão e na pobreza; depois retorna, escreve um livro de autoajuda e se torna famoso (entre muitas outras peripécias).
O próximo romance de Becerra está anunciado não por uma editora argentina mas na Espanha, antes das traduções que inevitavelmente chegarão.

COM AR CONDICIONADO
Buenos Aires em janeiro é uma cidade deserta. As afortunadas famílias de classe média partem de carro para as praias 400 quilômetros ao sul, a classe média alta voa para Punta del Este e muitos trabalhadores viajam de ônibus para passar o dia em suas províncias de origem.

O asfalto se derrete, não há coisa alguma para fazer e as pessoas como eu, que não saem da cidade, procuram os lugares equipados com ar condicionado: restaurantes, bancos e, por que não, também cinemas.

O bom ar condicionado que existe na sala de cinema do Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires é uma, mas não a única- razão para recomendar uma visita. Em janeiro, o grande cineasta Edgardo Cozarinsky organizou um ciclo chamado "Elogio da Arte Impura", no qual a cada dia são exibidos os melhores filmes do cinema argentino e clássicos do cinema mundial. Estarei lá. Meus amigos também.

MODAS EDITORIAIS
As grandes editoras estavam sossegadamente ganhando fortunas com a publicação de livros chatos e previsíveis contra o governo de Cristina e Néstor Kirchner. Eles são corruptos, malvados, autoritários, e assim por diante.

Escritos habitualmente por jornalistas com sérias dificuldades para conjugar um verbo no infinitivo ou escrever sentença de mais de cinco palavras, esses livros vendiam milhares de exemplares. Tudo corria bem até que Néstor Kirchner morreu, e o clima social mudou (ao menos por enquanto; na Argentina, como dizia Marx, tudo que é sólido se desmancha no ar).

Agora Cristina se tornou viúva e é preciso respeitá-la, e Néstor é quase um mártir de quem é necessário falar bem. Além disso, não há por que descartar a possibilidade de uma vitória de Cristina nas eleições presidenciais deste ano.

Na verdade, os livros é que foram descartados: envelheceram irremediavelmente, de um só golpe. Já não ocupam as primeiras posições nas listas de best sellers, e já não são vistos nas livrarias.

O que farão as grandes editoras agora? Ah, os mistérios do verão em Buenos Aires...

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