quarta-feira, 12 de janeiro de 2011



12 de janeiro de 2011 | N° 16578
MARTHA MEDEIROS


Arte a domicílio

Tempos atrás não existia entrega de comida em casa. Quando as telepizzas surgiram, foi um oba-oba. Podia-se finalmente reunir a turma para assistir a um filme (cinema em casa, outra facilidade) e fazer um programa seguro e econômico, já que não era preciso estacionar o carro na rua nem pagar uma exorbitância por uma garrafa de vinho. Eu sigo gostando de sair com os amigos, conhecer lugares novos, arejar as ideias em ambientes bonitos e, claro, ir ao cinema, mas não desprezo uma festinha caseira.

Pois agora soube que já existe delivery de peças de teatro. Em São Paulo, há pelo menos dois grupos que agendam apresentações a domicílio. O dono da casa afasta os sofás da sala, retira os tapetes, convida uns amigos e todos assistem a uma apresentação profissional a dois palmos do nariz. Terminada a performance, são servidos os salgadinhos, os drinques, e o elenco se junta à pequena plateia para conversar sobre o assunto da peça ou outro tema qualquer.

Lógico que uma coisa não substitui a outra. Nada como assistir a um espetáculo em local apropriado, com palco, cenografia, iluminação e toda a reverência que o teatro imprime.

Assim como a energia de um show nunca será reproduzida num DVD: é incomparável a experiência de ouvir centenas de pessoas cantando e dançando juntas, numa conexão eletrizante que celebra a vida e a arte. Mas quem já teve a oportunidade de ser plateia de um solo “só para seus olhos” sabe que o sublime acontece do jeito que for.

Já vi uma grande atriz interpretar um texto sentada no chão da sala de uma amiga. Um músico reconhecido tocar violão sozinho em seu estúdio, só para mostrar a nova canção que estava concluindo. Vi bailarinos da companhia de Maurice Béjart ensaiando passos à beira da piscina de um hotel em que por acaso eu também estava hospedada. Shows privativos inesquecíveis.

O mais inesquecível deles, no entanto, aconteceu nos anos 80, quando eu namorava o vizinho de um pianista. Eles moravam no prédio mais secreto de Porto Alegre, que existe até hoje, na Vicente da Fontoura. Da rua, avista-se uma porta, nada mais. Não se enxerga a edificação.

Essa porta conduz a um longo corredor, e só lá no fundo, então, descortina-se um terreno sem cobertura, com os apartamentos dando todos para um mesmo jardim, como se fosse um condomínio de praia daqueles antigos.

Nas noites de verão, dormíamos com a janela aberta e nossos sonhos eram embalados por recitais exclusivos vindos do apartamento em frente, onde morava o talentoso Geraldo Flach, que atravessava a madrugada ao piano. Pura arte a domicílio.

Ainda que com chuva, uma ótima quarta-feira para você.

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