sábado, 4 de setembro de 2010



Quem são e o que querem as mulheres de 20

Uma pesquisa exclusiva revela a rotina, as aspirações e os dilemas de uma geração de brasileiras que está adiando a entrada na vida adulta. Elas têm tudo o que suas mães e avós não tiveram – liberdade, dinheiro e carreira –, mas ainda sonham com filhos e o marido perfeito
Fernanda Colavitti

Quando fala sobre suas prioridades, a publicitária paulistana Cléia Lourenço, de 24 anos, não hesita. Diz que o investimento na carreira e na educação é seu principal objetivo.

Formada há um ano, ela trabalha desde 2008 em uma agência de publicidade, na qual gerencia uma pequena equipe. Sua jornada diária é de dez horas. O excesso de trabalho é o motivo pelo qual está adiando para o ano que vem a pós-graduação e o curso de idiomas.

“Quero mais experiência e reconhecimento”, afirma. Mesmo com tanta dedicação à carreira, a vida social da publicitária vai bem. Há um ano e meio sem namorado, ela diz que sai com amigos quase todos os dias e viaja nos fins de semana. O lazer consome 60% de sua renda. O resto ela gasta com a manutenção do carro e com roupas, mas ainda consegue guardar um pouco. Cléia mora com os pais, mas planeja morar sozinha no ano que vem. Quer ter mais liberdade.

Quando o assunto são seus planos de longo prazo, porém, as expectativas são outras. “Daqui a uns cinco anos, penso em ter um relacionamento sério, casar e ter filhos”, afirma. “Tudo certinho, como manda o figurino.” Ela diz que depois de casar não pretende abrir mão da profissão, mas que vai trabalhar menos para se dedicar ao marido e aos filhos: “A ideia é trabalhar bastante agora para poder reduzir depois”.
Ricardo Corrêa

Cléia faz parte de uma geração privilegiada de mulheres brasileiras. Aos 20 e poucos anos, elas têm mais escolaridade, mais renda, mais planos, mais oportunidades, mais independência e muito mais liberdade do que suas mães e avós tiveram na mesma idade.

No entanto, mantêm os mesmos valores em relação à família e à vida conjugal, embora as datas tenham se alterado. O casamento tem de esperar pelo encaminhamento da carreira, mas, depois disso, deve ser feito nos moldes históricos. Os filhos podem vir depois dos 30 anos, mas sua chegada vai colocar a vida profissional em segundo plano. As mulheres de 20 brasileiras são conservadoras num mundo em processo acelerado de mudança.

Essa é uma das principais conclusões de um levantamento feito pela Sophia Mind, empresa especializada em comportamento e tendências no universo feminino. A pedido de ÉPOCA, o instituto de pesquisas entrevistou 3.100 mulheres (55% solteiras, 45% casadas), com idade entre 18 e 29 anos, que têm acesso à internet banda larga, em todas as regiões do Brasil. As entrevistas foram feitas por questionário on-line, entre fevereiro e maio de 2010.

Ao casar, as mulheres assumem 80% das tarefas dométicas

Os resultados apresentados na imagem mostram que as jovens brasileiras de classe média estão alinhadas a um movimento mundial de revisão de valores e adiamento da vida adulta. Em boa parte dos países desenvolvidos, os jovens estão ficando até mais tarde na casa dos pais, atrasam compromissos afetivos e tratam da própria carreira sem pressa aparente.

Os cinco passos tradicionais que definiam a formação de um adulto – terminar a escola, sair da casa dos pais, tornar-se independente financeiramente, casar e ter filhos – estão sendo ignorados, subvertidos ou ordenados de forma totalmente diferente.

O psicólogo americano Jeffrey Jensen Arnett, professor da Universidade Clark, em Worcester, nos Estados Unidos, cunhou a expressão “adulto emergente” para definir esse grupo dos vintões. Arnett acredita que essa faixa etária tem de começar a ser encarada como um momento específico da existência, com suas próprias características.

Ele disse a ÉPOCA que o movimento que está ocorrendo agora é similar ao que teve lugar um século atrás, quando mudanças sociais e econômicas ajudaram a criar o conceito de adolescência. Arnett afirma que, agora, a sociedade precisa reconhecer a existência de um período de pós-adolescência. Os que vivem as confusões desse período não são apenas jovens acomodados ou perdidos, mas “adultos emergentes” que atravessam um período de transição com ritmos e necessidades especiais.
RICARDO CORRÊA

Mas homens e mulheres vivem esse período da mesma forma? Mais ou menos, diz Arnett. “As mulheres experimentam da mesma maneira que os homens esse período de transição antes de entrar na vida adulta”, afirma. “A única diferença é que elas ainda têm um relógio biológico que, aos 30 anos, começa a alertá-las de que seu período de fertilidade está no fim. Portanto, se quiserem ter filhos, precisam crescer logo.

” Isso significa que o período de transição é maior nos homens do que nas mulheres? Arnett diz que as estatísticas internacionais mostram que os homens casam e têm filhos em média três anos depois das mulheres – e, mesmo assim, a contragosto. “Apesar de não sentirem a pressão biológica para ser pais, eles cedem à pressão das mulheres”, afirma.

A pesquisa brasileira sugere que aqui as jovens estão mais engajadas no mercado de trabalho do que suas congêneres nos países industrializados. Talvez isso se explique por ser o Brasil um país mais pobre, que coloca as pessoas diante da necessidade de trabalhar mais cedo.

Qualquer que seja a razão, o resultado é uma multidão de moças relativamente abastadas, cujas prioridades, até os 25 anos – média de idade em que se casam –, consistem em cuidar da própria carreira e educação. Adiar a saída da casa dos pais facilita o investimento de tempo e dinheiro nesse projeto – e permite aproveitar a vida de solteira.

Não é pouca coisa. As jovens ouvidas pela Sophia Mind ganham, em média, R$ 3.200. Elas gastam esse dinheiro na seguinte ordem: roupas, sapatos, acessórios e cosméticos, restaurantes, bares e casas noturnas. Apenas em produtos de beleza torram R$ 69 por mês; 38% delas consideram que ler é essencial; 25% vão ao cinema ou ao teatro uma vez por mês; e 33% fazem exercícios regularmente – mais da metade delas, 56%, frequenta academias de ginástica.

A carioca Juliana Rodrigues, de 28 anos, está entre elas. Como mora com os pais e não precisa participar das despesas domésticas, usa todo o seu salário de tecnóloga com gastos pessoais, que incluem jantares, boates, teatro, cinema, viagens, livros e revistas. Sozinha desde 2002, ela diz não sentir falta de um namorado.

“Se aparecer alguém logo, ótimo. Mas, se demorar, não tem problema”, afirma. Ela diz que seria difícil ficar solteira se estivesse desempregada, se não estudasse, se não se divertisse. O que não é o caso. Assim como Juliana, a maioria das mulheres da pesquisa atribui à independência financeira, que lhe permite uma vida social intensa, o fato de não ter pressa para arrumar um companheiro.

Essa atitude sugere um grupo de mulheres poderosas. Elas têm profissão, dinheiro e aspirações. Gostam de se divertir e consomem vorazmente. São independentes e bem informadas. “Elas têm um tipo de poder que eu chamaria de objetivo”, afirma a antropóloga Mirian Goldenberg, autora do livro Toda mulher é meio Leila Diniz. “As mulheres brasileiras nunca tiveram tanto poder. Não só de adquirir coisas, mas de fazer escolhas.”

Há, porém, um pedaço do universo feminino em que essas escolhas parecem se restringir. Ele diz respeito aos parceiros. À pesquisa da Sophia Mind, apenas 28% das mulheres disseram fazer sexo casual.

Não é um número surpreendente para quem estuda o comportamento das brasileiras. Mirian Goldenberg diz que depois de ouvir 835 mulheres da classe média carioca, descobriu que entre 18 e 60 anos elas tiveram entre três e cinco parceiros sexuais. O ponto fora da curva foi uma jovem de 28 anos que admitiu já ter tido 27 parceiros.

Essas respostas confirmam uma pesquisa nacional com 8.200 participantes, conduzida em 2008 pela psiquiatra Carmita Abdo, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Seus resultados mostram que entre os 18 e os 25 anos a média de parceiros sexuais das brasileiras é de 1,4. Entre 26 e 40 anos, a média sobe para 1,6. Isso mostra que vivemos numa sociedade de jovens conservadoras? Sim, responde Mirian.

“As garotas têm mais dinheiro, mais sucesso, se vendem como modernas e avançadas, mas, no fundo, querem manter o que a mãe e as avós tinham”, diz a antropóloga. A nova mulher ainda espera encontrar o homem ideal, casar na igreja, ter filhos e ser feliz para sempre. De preferência ao lado de um marido fiel e dedicado. “A mulher brasileira mudou, mas não abre mão do outro poder, aquele que a mãe e as avós tinham, que é o poder doméstico”, diz Mirian.

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