sábado, 18 de setembro de 2010



18 de setembro de 2010 | N° 16462
NILSON SOUZA


Perspectiva

A política nos confunde. Não passa dia sem que sejamos confrontados com versões antagônicas de um mesmo fato. Adeptos de causas e candidatos fazem defesas apaixonadas de suas preferências, ao mesmo tempo em que procuram desmerecer seus oponentes. E raramente admitem que alguém possa ter outro olhar ou outro posicionamento.

Este conflito de visões me faz lembrar um livro infantil muito interessante, dos norte-americanos Amy Krouse Rosenthal (escritora) e Tom Lichtenheld (ilustrador), chamado Pato! Coelho!. Baseia-se no diálogo de duas crianças, vendo as figuras formadas pelas nuvens no céu. De repente, olhando para a mesma nuvem, uma vê um pato e outra vê um coelho. O que é bico para uma transforma-se em orelhas para a outra. E começa a discussão:

– É um pato!

– Não, é um coelho!

O curioso é que a ilustração do livro permite as duas interpretações. Quem olha da esquerda para a direita vê um coelho. Quem olha da direita para a esquerda vê um pato. A proposta do livro é exatamente estimular as crianças ao convívio com quem pensa de forma diferente. A alegoria encaixa-se perfeitamente na política, inclusive na questão do antagonismo esquerda-direita.

Na verdade, as pessoas veem o que querem ver, de acordo com a própria visão de mundo. Isso é absolutamente natural e compreensível. Também não deixa de ser saudável que discutam quando têm posições discordantes. O conflito de ideias, conduzido de forma civilizada, costuma gerar novas luzes. O problema surge quando alguém se fecha na própria opinião, torna-se intransigente ou, pior ainda, tenta impor o seu ponto de vista na marra.

– É pato, e ponto final!

Aí, o troco costuma ser na mesma moeda, quando não com algum excesso:

– Coelho, seu burro!

Pronto, está estabelecido o litígio, às vezes insanável. Não é o que estamos vendo na atual campanha eleitoral? Em vez de defender seus projetos, candidatos e partidos empenham-se em depreciar os adversários. É ficha suja pra lá, caluniador pra cá.

Todos são mentirosos e desonestos, menos os nossos. Ninguém se coloca na perspectiva do oponente, para ao menos tentar entender o seu modo de ver e de pensar. Sequer admitem, as partes em conflito, que alguém possa observar com distanciamento e neutralidade este inflamado jogo de paixões pelo poder. Ou está conosco ou contra nós. Ou pato ou coelho.

E, no entanto, é apenas uma nuvem, que logo vai adquirir outro formato ou se desfazer com os ventos do inverno agonizante.

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