terça-feira, 6 de julho de 2010



06 de julho de 2010 | N° 16388
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA


Quem terá sido Maria?

“Telefonar para Maria” – leio em uma velha caderneta de notas descoberta entre guardados da adolescência.

Quem terá sido essa Maria? – me pergunto. As garotas do tempo em que eu era bem jovem não se chamavam Maria. Atendiam por Laura, Ana Lúcia, Stella e mais uma centena de nomes em que Maria só entrava combinado com outros, tipo Tânia Maria.

Mas o que leio em minha caderneta é apenas Maria. Seria uma homenagem à senhora mãe de Jesus Cristo? Não creio. Aliás, sou um incréu. Naquelas recuadas épocas, por exemplo, só acreditava na beleza das meninas em flor, e isso que sequer tinha lido Proust.

Reflexão que me devolve à mensagem da caderneta de recados. Por que teria eu de telefonar para Maria? Maria me convidava para uma reunião dançante, na qual colaríamos a face contra a face? Maria precisava me passar uns segredos sobre a prova de Filosofia do vestibular de Direito? Maria me avisava que eu deixara em sua casa os documentos do carro Rover 52, que foi o mais fascinante que dirigi?

As possibilidades são infinitas. E é exatamente isso que me leva a pensar que, como a curta mensagem a respeito de Maria, a vida é feita de pequenos acontecimentos, de breves instantes.

Você sabe o dia de sua formatura na universidade e até um ou dois trechos do discurso do orador da turma. Você é capaz de reproduzir a vez em que autografou seu primeiro livro e até o leve tremor da mão nos segundos em que escreveu sua assinatura. Você não tem a menor dificuldade de reviver horas de triunfo, na sua vida ou na sua carreira.

Mas você enfrenta problemas para ressuscitar as horas em que nada de importante sucedeu, a não ser, talvez, um beijo roubado nos terraços da Reitoria, em noite de baile. Sou um ser escrevinhador e, durante longo tempo, nunca deixei de gravar o que acontecia comigo, quer em grandes diários, quer em pequenas cadernetas.

O que me levou a fazer isso? Quem sabe a ideia de que sobreviveria a mim mesmo. Quem sabe a conclusão de que cada pequeno momento vivido deveria ser toscamente eternizado. Pois é desses mínimos fragmentos que se tece a existência humana.

Essa é a real tessitura de nossa jornada sobre a terra. É como uma inesperada declaração de amor, apenas murmurada. É como o súbito canto de um pássaro desconhecido. Ou é como um simples nome, Maria, que jamais decifrarei de quem foi.

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