terça-feira, 15 de setembro de 2009



15 de setembro de 2009 | N° 16095AlertaVoltar para a edição de hoje
LIBERATO VIEIRA DA CUNHA

Cidade das pétalas

Ontem passei pela janela e a manhã se incendiou de luz. No pátio de um dos edifícios vizinhos, explodia em cor um ipê-roxo. Era tão belo, que me transportei para a Riviera, para uma lembrança profunda e antiga decorada por flores semelhantes.

Somos humildes, nós, os habitantes de Porto Alegre. Que outra cidade do mundo transita do inverno para a primavera ornada por tão requintados matizes? Informa minha amiga Lurdete Ertel que esta mui leal e valorosa é a capital com o maior número de árvores por habitante: são mais de 1,2 milhão de pés. Acrescenta ainda que entre as mais de 200 espécies pontilhadas entre praças e avenidas despontam os ipês, cujo plantio vem sendo feito desde as décadas de 30 e 40 do século passado.

Isso nos converte numa espécie de cidade das pétalas. Afirmo e dou fé eu mesmo, que convivo com o jardim dos Chaves Barcellos – tão abandonado e só –, com o parque do Solar dos Câmara, com a Praça da Matriz e com o arvoredo do Palácio Piratini – tudo isso no centro do Centro de uma mínima região de Porto Alegre. Em meio a esse latifúndio, esplendem os ipês. Os roxos, que se sentem à vontade nestas alturas de setembro, os brancos, os amarelos.

E não são só eles. Estou cercado pela floração, que já se prenuncia, dos jacarandás, dos flamboyants e das paineiras. Como se não bastasse, esta ilha que habito é povoada dos sons dos sabiás, das cravinas, das andorinhas, dos bem-te-vis, das almas-de-gato, das cambacicas, dos canários e até de uma república de papagaios, que cresce e se multiplica no próprio coração de uma metrópole. Não sei de onde vieram. Não sei aonde vão, mas desconfio que não deixarão a Praça da Matriz, que já adotaram como seu independente, livre território.

Diz o biólogo Paulo Brack, segundo leio em Zero Hora, que os ipês-roxos não são uma antecipação da primavera. São, em verdade, o anúncio do apagar do inverno. Pode haver algo mais poético do que isso?

É o que acontece igualmente na vida de todos nós. Há períodos em que nos encontramos numa espécie de crepúsculo. Parece que a noite se aproxima e com ela os momentos sombrios.

Os ipês-roxos comprovam o contrário. Eles são a claridade que chega e faz transparente a penumbra.

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