sábado, 13 de junho de 2009



CRISE, SIM. MAS MENOS AMARGA

Depois de seis anos de crescimento, o país sente o contágio externo e entra em recessão. Desta vez, no entanto, a contração econômica não assusta

Benedito Sverberi - Jorge Araújo/Folha Imagem


CONSUMO PRESERVADO

Loja de eletrodomésticos em dia de promoção: agora a retração não solapou o poder de compra das famílias

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) informou na semana passada que o total de mercadorias e serviços produzidos pela economia brasileira, o produto interno bruto (PIB), sofreu uma queda de 0,8% no primeiro trimestre. Essa retração se deu na sequência de uma redução mais profunda, de 3,6%, que havia sido registrada nos três últimos meses do ano passado, durante o período mais acerbo da crise internacional.

Os economistas, por convenção, dizem que um país entra em recessão quando sua economia registra dois trimestres consecutivos de contração. Foi isso que aconteceu com o Brasil. Mas, ao contrário das recessões anteriores, que sempre deixaram um gosto amargo, a atual teve um sabor mais suave.

No passado, as crises invariavelmente vinham acompanhadas de inflação fora do controle e juros nas alturas. Em alguns episódios, os brasileiros foram sujeitados a privações similares às de países em guerra, com racionamentos, confiscos e prateleiras vazias nos supermercados. Não se viu nada disso agora. O país suportou, com avarias moderadas, a procela devastadora da crise internacional já apelidada de A Grande Recessão.

Há diversas evidências de que, desta vez, a recessão não vai assustar tanto. Em primeiro lugar, historicamente as crises financeiras obrigavam o Banco Central a lançar a taxa básica de juros, a Selic, na estratosfera, e assim conter uma fuga maciça de dólares e impedir o aumento de preços. Nos últimos meses, no entanto, o BC tem reduzido os juros.

Na semana passada, a Selic caiu a 9,25% ao ano, um patamar inédito (veja o quadro). Essa queda no custo do dinheiro, vital para estimular o crédito, só foi possível porque o Brasil não apresenta hoje as vulnerabilidades que o tornavam presa fácil diante da menor ameaça.

"Quando a dívida pública era excessiva e havia um grande déficit nas transações externas, era fácil apostar contra o Brasil, e toda a economia do país se desarranjava", diz o economista Cristiano Souza, do Santander.

Tais desequilíbrios forçavam os brasileiros a engolir dropes extremamente amargos. Diz Paulo Leme, diretor de pesquisas de mercados emergentes do Goldman Sachs: "As profundas recessões dos anos 80 faziam o trabalho de extrair recursos da economia doméstica, penalizando a população, para que fosse possível fazer frente às obrigações das dívidas externas".

Alguns números ajudam a entender a dimensão do que era uma crise no Brasil duas décadas atrás. Entre fevereiro de 1989 e fevereiro de 1990, a inflação acumulada superou 2 700%.

Ao fim daquele ano, o PIB encolheu 4,35%. Tal descalabro castigava sobretudo os mais pobres e aprofundava a concentração de renda. Agora, com a inflação sob controle, os mais pobres têm sido justamente os menos atingidos.

A retração ficou concentrada na atividade industrial, principalmente naquela voltada para a exportação, e foi bem mais tênue no consumo interno. "Além disso, a queda nos preços de produtos agrícolas deixou a cesta básica mais barata e ajudou a preservar o poder de compra das famílias", explica Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados. Por isso não surpreende que, em meio à recessão, o presidente Lula tenha visto sua popularidade voltar a crescer.

A chave para entender a resistência brasileira reside no tripé que, há dez anos, sustenta a política macroeconômica: responsabilidade fiscal, meta de inflação e câmbio flutuante. Outro ponto fundamental é o fato de o Brasil ter liquidado sua dívida externa. Para completar, o país dispõe de um colchão de 205 bilhões de dólares em reservas internacionais. Tudo isso tornou o contágio internacional mais ameno. Existe inclusive a percepção de que a recessão já tenha ficado para trás.

Em maio, o fluxo de caminhões nas estradas cresceu 2,7%, quarto mês consecutivo de alta, sugerindo uma retomada das encomendas à indústria. O consumo de energia industrial também vem subindo gradativamente desde fevereiro, após dois meses de queda acentuada.

Comenta Paulo Leme, do Goldman Sachs: "Os dados recentes são auspiciosos. É como fazer uma avaliação estrutural após um furacão e perceber que quase tudo ficou de pé. A crise foi uma prova crucial para o arcabouço institucional e macroeconômico. O Brasil passou no teste".

Essa parece ser a visão dos investidores estrangeiros, que começaram a trazer de volta os dólares que haviam retirado do país. Impulsionada por esse ingresso de capital, a Bovespa registra uma alta superior a 40% desde o início do ano, enquanto a cotação do dólar recuou 16%.

Em um novo mundo, no qual os países desenvolvidos ingressarão com a credibilidade maculada e levarão anos para contornar plenamente a crise, a economia brasileira aparece como uma das mais capacitadas para atrair investimentos para o setor produtivo.

Se o país souber aproveitar essa oportunidade, o sabor deixado pela recessão será ainda menos amargo.

Com reportagem de Luís Guilherme Barrucho

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