sábado, 16 de maio de 2009



17 de maio de 2009
N° 15972 - MARTHA MEDEIROS


Uma alma boa

Recentemente assisti no teatro A Alma Boa de Setsuan, comédia de Bertolt Brecht com a versátil e carismática Denise Fraga no papel principal e direção do premiado Marco Antonio Braz.

Fiquei maravilhada não só com a atuação do elenco e a concepção da peça, mas também com a qualidade da cenografia, do figurino, da luz, da direção musical, enfim, não é uma encenação econômica, daquelas franciscanas em função do baixo orçamento. A Alma Boa de Setsuan não só é um espetáculo bom, como é farto, de encher os olhos.

Há uma certa fartura na duração também – poderia ter 15 minutos menos, mas esse assunto fica para outra crônica: a nossa impaciência atual para com a extensão de certas obras, incluindo também filmes longos, livros enormes, palestras intermináveis. Estamos em plena era do compacto.

Voltando à peça. A história trata sobre a dificuldade de se fazer o bem para si e para os outros ao mesmo tempo.

Eu procuro sempre fazer o bem para mim e para os meus e nunca considerei que isso significasse ser má para os outros. Se estou dentro da lei e não estou tirando nada de outra pessoa, seja algo material ou moral, então não posso me considerar uma egoísta. Ou será que devo?

Supondo que uma ala da minha família fosse composta por pessoas muito porra-loucas, que se metessem em confusões brabíssimas, eu teria duas opções: ficar na minha e manter a paz da minha rotina, ou me envolver com a insanidade alheia, correndo o risco de receber telefonemas, visitas e pedidos estapafúrdios a qualquer hora do dia e da noite, já que teria me disponibilizado para tal.

É só um exemplo. Repare que não falei em emprestar dinheiro, em consolar alguém aflito, em oferecer hospedagem, essas gentilezas que fazemos aos outros sem nenhum prejuízo a nós mesmos (se considerarmos que temos dinheiro, tempo e espaço suficiente para repartir com quem não tem).

Envolver-se é outra coisa. É o verbo que muda tudo. Pois no momento em que você se envolve numa briga, ou se envolve numa disputa judicial, ou se envolve numa campanha política, ou o que for que chame você para o meio do ringue, você estará tomando partido e adeus tranquilidade.

Na hora que nos convocam, temos que optar entre um sim e um não, e sabemos como é difícil dizer não. Não, eu não vou tumultuar a minha vida, os meus negócios, os meus estudos, a minha família, para me envolver com os seus problemas.

Tem de haver uma saída, dizem os atores da peça ao final da apresentação, intimando a plateia a pensar a respeito. Será que nesse mundo individualista é possível se comprometer com o outro sem sacrificar o comprometimento consigo próprio? Ou será que, cuidando da nossa vida sem incomodar ninguém, estamos colaborando o suficiente?

Nosso isolamento pode ser uma forma de dizer “não atrapalhando, já estou ajudando”, mas isso ainda soa como conversa pra boi dormir. Como mudar o mundo, se não abandonarmos um pouco o nosso confortável sofá?

Sempre achei que não fazendo o mal, já estava fazendo o bem. Presto reverência àqueles que vão muito além disso, fazendo o bem de forma muito mais atuante.

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