sábado, 13 de setembro de 2008



Por que é preciso fazer as reformas

As mudanças estruturais no sistema de impostos e da Previdência são essenciais para corrigir os erros dos constituintes – e para quebrar as amarras que limitam o crescimento da economia brasileira
Murilo Ramos

SEM ESTRUTURA

Uma rodovia federal no Pará (à esq.) e um trecho da Ferrovia Norte–Sul, no Maranhão, que foi projetada há 20 anos e ainda não está pronta. Apesar da arrecadação maior, o Estado não tem como investir em infra-estrutura



Um ano antes de a Constituição ser promulgada, o economista e ex-ministro da Fazenda Mário Henrique Simonsen estava preocupado.

Num artigo memorável, construído à base de erudição, críticas irônicas e idéias lógicas, expressou o temor de que o texto então em elaboração pelos parlamentares pudesse comprometer o futuro do Brasil.

Simonsen vislumbrava que a futura Constituição confiaria ao governo o papel de grande provedor da nação.

“É precisamente na preservação desse sistema de favores, pelo qual o Congresso finge acreditar na possibilidade de o Estado resolver todos os problemas nacionais, que está o mais sério risco para o país”, escreveu. Simonsen dizia que o Brasil andava na direção errada. Para nosso azar, estava certo.

Os receios de Simonsen se confirmaram no decorrer das últimas duas décadas. Se deu um passo fundamental para estabelecer direitos e lançar as bases da necessidade de investimentos na área social, a Constituição de 1988 colocou um peso financeiro insuportável sobre o Estado brasileiro.

Por causa das obrigações de gastos sociais criadas pela Constituição, as despesas do governo – sem contar o pagamento de juros – passaram de 14% para 24% do PIB entre 1991 e 2006. No mesmo período, os gastos sociais cresceram de 6,3% para 14% do PIB.

A Previdência Social é um caso exemplar da prodigalidade dos constituintes. Na ânsia de ampliar os direitos sociais, eles puseram no texto não só o direito à aposentadoria até mesmo para quem não contribuíra, como estabeleceram que as aposentadorias seriam reajustadas junto com o salário mínimo.

Resultado: o Brasil, país de população jovem, gasta cerca de 12% do PIB com despesas previdenciárias, padrão similar ao de países de população bem mais velha, como a Alemanha. Em dez anos, o déficit previdenciário somou quase meio trilhão de reais.

“Fizemos as escolhas erradas. Em vez de ensinar a pescar, demos o peixe a todos, sem distinção”, afirma o economista Fábio Giambiagi, diretor do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Ele é autor do livro As Raízes do Atraso, uma crítica arrasadora dos efeitos das políticas sociais introduzidas a partir de 1988 e das opções econômicas feitas pelo Brasil. “Nos próximos 50 anos, os historiadores vão julgar a Constituição de 1988 com extrema severidade”, diz.

Não por acaso, foi a partir da Constituição que o governo começou a correr em busca de mais dinheiro para bancar suas obrigações. A carga tributária, que estava na casa dos 20% do PIB em 1988, começou a subir. Hoje está em 37% do PIB, um dos níveis mais altos do mundo.

O problema é tão agudo que a Associação Comercial de São Paulo criou até mesmo um contador de impostos, o Impostômetro. É uma espécie de relógio, exposto no centro de São Paulo, que conta, em tempo real, a entrada de reais nos cofres do governo.

PREMONIÇÃO

Simonsen, um ano antes da promulgação da Constituição, previu seus efeitos desastrosos para a economiaA alta arrecadação reduz a capacidade de investimentos das empresas e enche os cofres do governo.

Mas não tem sido suficiente para bancar os investimentos necessários para elevar o padrão da precaríssima infra-estrutura brasileira.

De acordo com uma pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), de cada 10 quilômetros de estradas, 3 são ruins ou péssimos. Isso produz custos maiores no transporte – que são repassados aos preços – e prejuízos.

Só na safra agrícola, o desperdício em virtude de perdas no escoamento é de R$ 4 bilhões por ano.

O Brasil caiu numa armadilha: não tem dinheiro para investir em infra-estrutura, – condição necessária para um crescimento maior e para reduzir a pobreza – justamente porque gasta em benefícios sociais para aliviar os efeitos dessa pobreza.

Para o especialista em contas públicas Raul Velloso, a Constituição de 1988 refletiu o desejo da sociedade brasileira em reparar dívidas sociais antigas, assunto preterido pelos governos militares enquanto estiveram no poder.

“O modelo adotado foi o aumento da arrecadação para financiar os gastos públicos”, afirma Velloso.

Essa opção, segundo ele, explica as taxas de crescimento medíocres, não superiores a 3%, nos anos posteriores à publicação da Constituição. “Foi uma opção diferente da chinesa. Em 30 anos, a partir de 1978, a economia da China cresceu quatro vezes”, diz ele.

Os princípios econômicos básicos não foram levados em conta na elaboração do texto constitucional. Além dos gastos criados sem pensar nas receitas, a Constituição foi publicada com artigos irreais.

Um deles fixava um limite de 12% ao ano para os juros – algo incompatível com a realidade de uma economia de mercado.

Se fosse seguido à risca, todos os últimos presidentes do Banco Central deveriam ser presos. Na prática, o país ignorou a determinação por meio de uma interpretação jurídica peculiar do texto constitucional.

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