sábado, 14 de junho de 2008



15 de junho de 2008
N° 15633 - Martha Medeiros


Dentro da mala

Viajar de avião já teve seu encantamento, hoje é um incômodo. Fila no check in, controle de bagagem, detector de metais, espera na sala de embarque e o indefectível aviso de que o vôo sairá com atraso.

Depois ficar enlatado dentro da aeronave mal podendo se mexer, rezar para que um jatinho não colida com a gente, que o controlador de vôo não esteja cansado e, por fim, ter que aguardar sua mala surgir na esteira, e ela sempre será a última a aparecer.

Se aparecer.

Na última vez que saí do país, viajei com uma mala, digamos, bem nutrida. Fiquei fora 15 dias e levei um pedacinho da minha vida comigo. Passei por todas as etapas da chatice de voar e quando chegou a hora da esteira, adivinhe: extravio.

Nenhuma notícia da bagagem. A recomendação que recebi da companhia aérea: "Vá para seu hotel e quando localizarmos sua mala, a entregaremos lá. No máximo até amanhã ela aparece".

Numa cidade estranha, em outro país, eu me encontrava apenas com a roupa do corpo e meus documentos. Nada mais. "No máximo até amanhã" era uma infinidade de tempo, isso na hipótese de ela reaparecer mesmo. E se a mala tivesse sido desviada para a Namíbia e de lá nunca mais voltasse?

Eis uma experiência para avaliar seu apego às coisas que realmente importam. Claro que você vai lembrar daquele vestido que talvez nunca mais veja ou do sapato que usou só uma vez, mas isso tem mesmo tanto valor? Eu sentia falta era da minha escova de dentes.

E de uma foto que eu havia levado das minhas filhas, e que era a minha preferida. E de um anel que joalheiro nenhum daria um níquel, mas que pra mim valia como se fosse um diamante da Tiffany. O anel havia sido da minha avó.

E meu secador de cabelos. E meu creme depilatório. E meus batons. "No máximo até amanhã" eu teria virado uma mulher das selvas.

Dentro da mala estava meu diário de viagens, onde já havia relatado os primeiros dias transcorridos, além das dicas de lugares sugeridos pelos amigos e observações que, de cabeça, não conseguiria recuperar. Dentro da mala, também, a máquina fotográfica já com um monte de fotos armazenadas.

Uma farmácia em qualquer esquina resolve as necessidades práticas mais urgentes, mas e aquilo que não se substitui? Como, por exemplo, uma echarpe que foi comprada há anos num mercado de rua e que, dito assim, parece um trapo, mas que é uma peça de estimação com história na minha vida.

É nestas horas que a gente pensa: ok, são coisas materiais, tudo se repõe ou se esquece. Mas às vezes elas não estão apenas na categoria do material, e sim do emocional. Não se repõe nem se esquece.

Eu já sentia saudades de tudo isso e, mesmo podendo comprar qualquer jeans e camiseta para seguir viagem, me sentia desconfortavelmente nua.

À noite, a mala estava no hall do hotel, devolvida intacta. Reouve o anel da minha avó, meu diário de viagens, a máquina fotográfica e a echarpe. Tudo parte da memória, que, no final das contas, é o que mais tememos perder pelo caminho.

Ótimo domingo excelente final de semana.

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