sábado, 16 de fevereiro de 2008


15/02/2008 - 23:21 | Edição nº 509

A internet em pessoa

Três mil internautas acostumados a se ver só pela web se encontram em carne e osso. A festa digital teve desde aulas de como fazer foguetes até shows de DJs

MARCELO ZORZANELLI

FESTA NA BIENAL



1. Rapaz se distrai usando a conexão de alta velocidade para conversar pela internet 2. Grupo de jogadores comemora uma vitória durante um campeonato de videogame 3. O ministro da Cultura, Gilberto Gil (ao lado de Marcelo Branco, diretor do evento), cumprimenta o pingüim, mascote do sistema operacional Linux

4. Um campuseiro manda um recado para casa 5. Um gabinete de PC em forma de caveira: nem dá para imaginar que há um computador ali dentro 6. Esfera giratória ligada a um visor tridimensional. Os sensores da esfera enviam sinais que permitem mover-se no ambiente virtual

Sob um calor que a arquitetura calcária de Oscar Niemeyer amplifica como nenhuma outra, aconteceu na semana passada a primeira Campus Party brasileira.

O evento é importado da Espanha, onde se consolidou como a meca dos amantes da tecnologia. No Brasil, ocupou os três andares da Bienal, no Parque do Ibirapuera, em São Paulo.

Ali estiveram 3 mil “campuseiros” – aficionados de tecnologia que pagaram R$ 100 para passar sete dias acessando a internet a 5 gigabytes por segundo (625 vezes melhor que a conexão mais veloz disponível no país) e, se assim desejassem, dormindo em barracas. Mas não só isso.

Gente entre 12 e 50 anos discutia tendências tecnológicas, apresentava trabalhos acadêmicos e desenvolvia novas habilidades em palestras e oficinas. Cada um levou o próprio computador.

As áreas de interesse representadas na Campus Party foram muitas: astronomia, games, música, modificação de computadores, construção de robôs, redação de blogs, desenvolvimento de foguetes... A lista parece não acabar. Nem assim, o cardápio de atividades agradou a todos.

“Fiquei frustrado porque as palestras foram feitas para iniciantes”, disse o campuseiro Lázaro Mariano. “O que está sendo mais útil é a troca de arquivos de músicas, filmes e games”, disse Felipe Navas, que acampava perto de Lázaro.

“É como se estivéssemos dentro de uma rede torrent de compartilhamento de arquivos.” Este foi, a princípio, o maior desafio da Campus Party: fazer um evento que fosse mais que uma lan house gigante.

A solução começa a aparecer quando se acompanha Marcelo Branco, o diretor-geral da Campus Party. Rouco de tanto dar entrevistas, ele tentava raciocinar enquanto passeava ao longo dos balcões onde centenas de adolescentes batucavam os teclados de seus computadores multicoloridos.

Branco é um dos mais atuantes defensores do uso do sistema operacional Linux em detrimento de sistemas pagos, como o Windows, da Microsoft. Sua presença na Bienal guardava certa semelhança com a filosofia tecnológica que ele prega, a do código aberto.

Qualquer blogueiro que se aproximava conseguia trocar algumas palavras, e geralmente deixava alguma sugestão. Marcelo ouvia com atenção, processava a informação e tentava responder. “Estamos administrando o caos”, disse.

Marcada por um discurso de abertura em que o ministro da Cultura, Gilberto Gil, afirmou que é preciso “banda-alargar” o Brasil, a Campus Party pareceu obstinada em cumprir seu objetivo de não ser apenas um ponto de acesso à internet rápida.

“Conversei com as pessoas na versão espanhola e reparei que a maioria só estava lá por causa da conexão”, diz Alexandre Youssef, coordenador dos projetos de música da Campus Party Brasil. “Aqui, vejo as pessoas participando das palestras e trocando conteúdo.” A forma cooperativa de tratar o trabalho foi uma das pautas mais exploradas na Bienal.

Até os DJs que apresentaram suas músicas projetavam a imagem da tela dos computadores para que todos soubessem o que eles estavam fazendo. Juliano Spyer, historiador da Universidade de São Paulo, deu uma palestra para a tribo dos blogueiros sobre o novo cenário da internet.

“A Wikipédia é um dos melhores exemplos de colaboração: cada pessoa participa quando quer, compartilhando informação para formar verbetes que se interligam para criar uma enciclopédia.”

Segundo ele, na nova internet, os indivíduos não têm uma tarefa definida e os processos estão em eterno aprimoramento. Spyer, que tem dez anos de experiência em projetos de comunidades on-line, disse que na Campus Party “ninguém é audiência, todos são participantes.”

CARA A CARA



Grupo de jovens que se conheceram pela internet, mas só se viram pessoalmente na Campus Party: “Alguns meses antes, a gente começou a trocar mensagens”

A tendência mais radical no campo das discussões sobre colaboração interativa é o BarCamp. Segundo André Avorio, auto-intitulado evangelista de BarCamp na Campus Party, este é um modelo de “desconferência”.

É o que ele chama de discussão horizontal, porque não há palestrantes em cátedras – qualquer um pode propor um assunto e opinar sobre o que é dito.

E se virar bagunça? “É o que todos me perguntam”, disse André. “O que organiza tudo é uma página colaborativa no estilo wiki (em que as pessoas podem modificar o que outras escreveram). Ali fica a agenda das discussões e um registro dos progressos.”

Um grupo de campuseiros levou mais longe a tendência de fomentar colaborações. Imprimiu camisetas com perguntas como “Os jogos eletrônicos são nocivos à saúde?”.

Na terça-feira, as camisetas diziam: “Para que serve um nerd?”. O administrador do site que criou a campanha, Kleberson Bezerra, disse que os nerds simplesmente “fazem o mundo girar”.

Preocupado em atualizar seu site, chamado Jornal de Debates, Kleberson mal tirou os olhos da tela para dizer: “E somos normais. Os nerds estudam muito, mas também vão para as baladas e ficam com as mulheres”.

Uma boa notícia para os neonerds, portanto, é que a participação feminina na Campus Party brasileira superou as taxas européias.

Na Espanha, elas eram 2%. No Brasil, 22%. Rola namoro? “Sim, e como”, disse Camila Frasquetti, uma campuseira que travou contato no Orkut, antes do evento, com pessoas que iriam à Campus Party.

O menu de lasanha de microondas e refrigerante quente não ajuda a criar o clima de romantismo (vinho está fora de questão, já que bebidas alcoólicas não são permitidas na Campus Party).

Mas a afinidade está garantida: “Aqui é o único lugar onde nossas piadas são entendidas”, diz Camila.

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